sexta-feira, 30 de maio de 2025

A jornada de D. Laura Conceição: um legado de Fé e Solidariedade

Nascida em 8 de janeiro de 1877, em Itapagipe, Salvador, D. Laura Conceição (que ficaria conhecida como D. Senhora) veio ao mundo marcada pela força de sua origem. Filha de Maria Escolástica de Jesus, uma mulher que conheceu as agruras da escravidão no engenho Rio Novo, em Santo Amaro da Purificação, e do português Manuel Fonseca da Conceição, Laura carregava em si a herança de resiliência. 

Sua mãe, alforriada em 1870 com a Lei do Ventre Livre, faleceu cedo, e o novo casamento de seu pai com D. Adelaide da Costa, de família tradicional baiana, trouxe rejeição e sofrimento à jovem Laura. Encontrou refúgio na costura, um ofício que a levou a trabalhar para famílias ilustres de Salvador, como as de Carneiro Ribeiro e Martins Catarino. Noiva do português Constantino, viu seus planos desmoronarem com a morte precoce dele, mas o destino a guiaria para um novo capítulo em Itabuna.

Convidada a costurar o vestido de casamento de Herundina Maria Moura de Jesus, neta mais velha da influente família Moura Teixeira, Laura chegou a Itabuna e ali fincou raízes. Sua habilidade com a agulha abriu portas, mas foi seu carisma e dedicação que a tornaram parte essencial dos eventos sociais da cidade. 

Promovia festas beneficentes, como a Festa da Primavera, piqueniques e celebrações religiosas, sempre com o propósito de unir a comunidade. Sua generosidade se estendeu à fundação da Filarmônica Amantes da Lira e à atuação como irmã benfeitora da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna e da Sociedade Montepio dos Artistas. Laura não apenas costurava tecidos, mas também os fios de uma sociedade que encontrava em suas iniciativas um senso de pertencimento.

Quando a igreja matriz de Itabuna ruiu em 1940, D. Laura Conceição assumiu um papel central na reconstrução da fé e da cidade. Fundou a Campanha do Cruzeiro, liderando, por 16 anos, um grupo de moças que, todas as quartas-feiras, percorria as ruas pedindo um cruzeiro em cada casa para erguer a nova igreja matriz de São José. 

Como membro das Senhoras de Caridade, também buscava doações de fazendeiros e comerciantes, arrecadando dinheiro e sacos de cacau para a obra. Sem sua incansável dedicação, a catedral da diocese, hoje um marco de Itabuna, talvez não tivesse se concretizado. Sua fé inabalável a levou a colaborar na fundação do Colégio Divina Providência e da Ação Fraternal de Itabuna, solidificando seu compromisso com a educação e a solidariedade.

D. Laura Conceição partiu em 28 de agosto de 1973, mas seu nome permanece eternizado na praça onde se ergue a catedral de São José, um testemunho de sua vida dedicada à comunidade. Sua trajetória é um hino à perseverança, à generosidade e à fé que move montanhas — ou, no caso dela, constrói catedrais. De filha de uma alforriada a símbolo de Itabuna, Laura transformou adversidades em oportunidades para servir. Seu legado, tecido com fios de bondade e trabalho incansável, continua a inspirar, como um cruzeiro que, de casa em casa, construiu muito mais que uma igreja: construiu uma história de amor e união.


domingo, 25 de maio de 2025

Hélio Pólvora

Nascido em 1928, na cidade de Itabuna, sul da Bahia, Hélio Pólvora de Almeida construiu uma trajetória marcada pela dedicação às letras. Escritor, jornalista, crítico literário e tradutor, mudou-se em 1953 para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por três décadas. Foi nesse ambiente efervescente que iniciou sua carreira literária e consolidou-se também no jornalismo, sem jamais perder o vínculo com suas raízes baianas.

Sua estreia na literatura se deu em 1958, com a publicação de Os Galos da Aurora, obra que já revelava sua habilidade na construção de narrativas densas e sensíveis. Ao longo dos anos, lançou livros de contos como Estranhos e Assustados, O Grito da Perdiz e Massacre no Km 13, além do romance Inúteis Luas Obscenas, reafirmando-se como um dos grandes contistas da literatura brasileira contemporânea.

No jornalismo, sua atuação foi igualmente expressiva. Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Shopping News, foi crítico literário e de cinema no Jornal do Brasil e colaborador da revista Veja. No jornal A Tarde, da Bahia, exerceu as funções de editorialista e colunista. Publicou mais de 25 livros entre ficção e crítica literária, e seus contos atravessaram fronteiras, sendo traduzidos para idiomas como espanhol, inglês, francês, italiano, alemão e holandês.

De volta a Itabuna a partir de 1984, Hélio se manteve ativo no cenário cultural. Foi membro da Academia de Letras de Ilhéus, da Academia de Letras da Bahia e da Academia de Letras do Brasil. Criou e editou o jornal Cacau-Letras e, em 1987, fundou ao lado do jornalista Manoel Leal o semanário A Região. Faleceu em Salvador, no dia 23 de março de 2015, aos 86 anos, deixando um legado que eterniza sua voz na literatura brasileira.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

A Vida em Versos de Gil Nunesmaia


Gil Nunesmaia, nascido sob o sol de Ilhéus em 25 de outubro de 1913, carregava no sangue a paixão pela medicina, pela poesia e pelo ideal de transformar o mundo ao seu redor. Formado em Patologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1938, ele construiu uma carreira marcada pela dedicação à ciência e à educação. Sua alma inquieta, porém, transcendia os limites do consultório: ao lado de José Nunes de Aquino e José Soares Pinheiro, abraçou o Integralismo, movimento que o levou a militar por causas que acreditava serem justas, com a fervorosa convicção de quem deseja deixar um legado. Sua vida, como seus haicais, era uma busca por equilíbrio entre a precisão da ciência e a liberdade do verso.

Em Itabuna, Nunesmaia deixou marcas indeléveis. Em 1966, assumiu o papel de interventor federal na prefeitura da cidade, guiado por um senso de responsabilidade cívica. Sua visão ia além da administração: lutou incansavelmente pela criação da Faculdade de Filosofia de Itabuna e pela construção do Colégio Estadual, sementes de conhecimento que plantou para as gerações futuras. Como médico analista, atuou nos hospitais Santa Cruz e Manoel Novais, enquanto, como professor, formou mentes nos colégios Divina Providência e Estadual. Sua influência se estendia ao Conselho Estadual de Educação, onde ajudou a moldar políticas educacionais com a mesma precisão que aplicava em suas análises clínicas.

A poesia, porém, era o refúgio onde Gil Nunesmaia encontrava harmonia. Em 1979, publicou Intervalo, uma coletânea de haicais que capturava a essência da vida em três versos — dois pentassílabos e um heptassílabo, como um suspiro medido. Cada poema era um instante de contemplação, um reflexo de sua capacidade de enxergar beleza na simplicidade. Sua contribuição à cultura baiana também se manifestou na fundação da Associação Bahiana de Medicina-Regional Sul e da Associação Brasileira de Patologia Clínica, instituições que fortaleceram a medicina em sua região. Nunesmaia vivia entre a métrica dos versos e a rigorosidade da ciência, unindo mundos aparentemente distantes com rara maestria.

O fim de sua jornada veio em 6 de outubro de 1993, mas seu legado permanece vivo nas instituições que ajudou a erguer, nos alunos que inspirou e nos versos que deixou. Gil Nunesmaia foi mais que um médico ou poeta; foi um homem que, com a mesma dedicação com que diagnosticava enfermidades, diagnosticava as necessidades de sua comunidade. Seus haicais, breves como a vida, ecoam a profundidade de um espírito que soube entrelaçar o efêmero e o eterno, deixando em Ilhéus e Itabuna um rastro de compromisso e poesia.

terça-feira, 20 de maio de 2025

Waldeny Andrade, a voz e a alma do Sul da Bahia

 


Waldeny Andrade da Silva nasceu em 1º de novembro de 1935, sob o céu sereno de Boa Nova, na Bahia, trazendo consigo uma vocação que ecoaria por décadas. Jornalista, radialista e escritor, ele moldou sua vida entre o som das ondas de rádio e as palavras impressas, dedicando-se por 29 anos à direção da Rádio Jornal de Itabuna e do jornal Diário de Itabuna. Sua voz firme e seu olhar crítico o consagraram como um dos mais respeitados profissionais da imprensa e comentaristas políticos do interior baiano, uma figura cuja influência transcendeu as ondas hertzianas para alcançar corações e mentes.

A trajetória de Waldeny, porém, não se limitou aos microfones e às redações. Em 1969, ele aventurou-se na política, tornando-se primeiro suplente na Câmara de Vereadores de Ilhéus e, posteriormente, assumindo o cargo. Sua passagem pela vida pública foi interrompida por uma cassação, acusações de subversão e comunismo pairando sobre ele como sombras de um tempo conturbado. Contudo, essas adversidades apenas reforçaram sua determinação, permitindo que se firmasse como um jornalista e radialista de rara integridade, sempre pautado por uma ética que o destacou no cenário regional.

Ao encerrar sua carreira nas ondas do rádio, Waldeny abriu as portas para um novo capítulo: a literatura. Em 2012, lançou Vidas Cruzadas, o primeiro de uma série de romances que revelou sua alma de contador de histórias. Seguiram-se A Ilha de Aramys (2013), Serra do Padeiro (2015), e os lançamentos de 2017, A Saga dos Tupinambás e Noite no Vale do Cotia, obras que entrelaçam a rica tapeçaria cultural e histórica da Bahia. Cada página escrita foi um testemunho de sua paixão por narrar o humano em suas múltiplas facetas, deixando um legado que vai além da notícia.

Waldeny Andrade partiu em 3 de junho de 2020, aos 85 anos, no Hospital Regional Costa do Cacau, vitimado por complicações cardíacas e pulmonares. Sua partida deixou um vazio no Sul da Bahia, onde sua vida dedicada à comunicação — revelando talentos e fortalecendo a imprensa — e sua contribuição social ecoam como um hino. Vereador, radialista, jornalista e escritor, ele foi um farol de ética e competência, cuja memória permanece viva nas ondas do rádio, nas linhas dos jornais e nas páginas de seus livros.

sábado, 17 de maio de 2025

Maria Pinheiro: coragem que rompeu tradições


Maria Pinheiro nasceu em 2 de outubro de 1905, trazendo consigo uma força que logo se revelaria transformadora. Formou-se cirurgiã-dentista em 1933, em uma época em que poucas mulheres ousavam sonhar com os bancos universitários. Sua chegada a Itabuna marcou o início de uma nova era: foi a primeira profissional da Odontologia a atuar na cidade, abrindo caminhos não apenas na saúde, mas também na mentalidade coletiva.

Espírita convicta, Maria guiava sua vida pela fé e pelo compromisso com o bem comum. Humanista, idealista e ousada, desafiou os costumes de sua época com naturalidade e firmeza. Foi pioneira em atitudes simbólicas, como o uso de calça comprida e a condução de veículos — gestos simples, mas de imenso impacto em uma sociedade conservadora. Sua trajetória foi marcada pelo ativismo político e social, com mais de cinco décadas de militância em prol dos menos favorecidos.

Com olhar atento às carências de sua comunidade, prestou atendimento odontológico gratuito aos necessitados e liderou campanhas solidárias. Sua luta pela construção de um albergue no bairro da Caixa D'Água resultou na transferência da estrutura para a Legião da Boa Vontade, ampliando seu alcance. Em 1973, assumiu a chefia do Setor de Assistência Social no governo de José Oduque, dando continuidade ao seu incansável trabalho de amparo social.

A cidade de Itabuna, em justa homenagem, batizou com seu nome um bairro inteiro, eternizando sua memória no espaço urbano. Maria Pinheiro faleceu em 3 de novembro de 1997, deixando como legado uma vida de serviço, coragem e transformação. Seu exemplo permanece vivo como símbolo de empatia, resistência e trabalho voluntário.

quinta-feira, 15 de maio de 2025

O Rei do Cacau: A Saga de Oscar Marinho Falcão


Você já deve ter ouvido esse nome. Afinal, um dos colégios mais tradicionais de Itabuna, o CIOMF (Centro Integrado Oscar Marinho Falcão) tem esse título em sua homenagem. Na verdade, ele foi construído em terreno doado por esse ilustre cidadão.

Oscar Marinho Falcão nasceu em 28 de novembro de 1895, na pequena cidade de Itabaianinha, no interior de Sergipe. Filho de Antônio Pedro Marinho Falcão e Maria José Soares Falcão, teve origem humilde, mas logo demonstraria um espírito prático e uma disciplina férrea que marcariam sua trajetória. Ainda jovem, começou a trabalhar no armazém “O Vencedor”, de propriedade de seu sogro João Pedro de Souza Leão. 

Casou-se com Ana Soares de Souza Falcão, com quem constituiu família e deu início a uma vida dedicada ao trabalho, à poupança e ao empreendedorismo.Conhecido por sua austeridade e fama de pão-duro, Oscar construiu, com paciência e estratégia, um dos maiores patrimônios da região cacaueira. A lenda popular lhe atribuiu a posse de nada menos que 120 fazendas, conferindo-lhe o título de “Rei do Cacau”. Seu nome tornou-se sinônimo de riqueza e poder no sul da Bahia. Apesar de seu temperamento reservado, era figura lendária em Itabuna, cercado por histórias bem-humoradas e episódios pitorescos que alimentavam o imaginário popular.

Oscar Marinho Falcão era também conhecido por emprestar dinheiro a juros elevados, prática que lhe granjeava respeito e temor. Seu sobrado imponente na rua Paulino Vieira, verdadeira marca de seu sucesso, tornou-se símbolo da sua presença na cidade. 

Embora conhecido por sua dureza nos negócios, não deixou de lado a generosidade: mandou construir a capela do Abrigo São Francisco, um gesto de fé e solidariedade. Já em saúde debilitada, delegou ao senhor Cedar Fontes de Faria a conclusão da obra, demonstrando preocupação com a continuidade de seus feitos.

Um episódio sombrio marcaria seus últimos anos. Cerca de uma década antes de sua morte, Oscar foi vítima de um atentado: atropelado por ordem de membros de sua própria família, escapou com vida, mas carregou sequelas permanentes na perna. Mesmo assim, manteve-se firme até o fim. Faleceu em 29 de setembro de 1967, em Itabuna, cidade onde construiu sua fortuna e deixou um legado que ainda ecoa.

Entre seus filhos, destacou-se José Marinho Falcão, médico de formação, com especialização na Alemanha. Herdando o espírito empreendedor do pai, o Dr. José foi um dos principais idealizadores do Hospital São Lucas, cuja planta funcional ele mesmo concebeu. Fundou uma indústria de fertilizantes em Itabuna, apostando na produção de adubos orgânicos a partir da película da amêndoa do cacau, rejeitada pela indústria convencional. Enfrentou dificuldades com o declínio da lavoura provocado pela praga da "Vassoura de Bruxa", o que levou ao encerramento da atividade.

Apesar dos reveses, José Marinho ainda tentou novas frentes, como a introdução da pupunha e a produção industrial de palmito, sem sucesso. Homem culto e de trato gentil, envelheceu de forma discreta, como que envolto na sombra de um tempo que passou, mas cuja marca permanece. O nome dos Marinho Falcão, sobretudo o de Oscar, continua a ressoar entre as lendas e memórias de uma era em que o cacau reinava absoluto no sul da Bahia.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Dantinhas, o cronista da memória Itabunense


José Dantas de Andrade, carinhosamente conhecido como "Dantinhas", nasceu em Simões Dias, no estado de Sergipe, em 30 de agosto de 1910. Bancário de profissão, historiador por vocação, desportista por paixão, além de poeta e trovador, tornou-se uma das figuras mais queridas e respeitadas da história de Itabuna. Seu talento natural para contar "causos" e histórias bem-humoradas marcou o imaginário coletivo da cidade.

Assinando muitas de suas obras com o pseudônimo "Zé das Antas", Dantinhas conquistou espaço na imprensa sul-baiana com suas crônicas recheadas de humor, contos pitorescos e sátiras rimadas que retratavam com ironia e inteligência fatos e personagens do cotidiano itabunense. Sua verve popular rendeu-lhe livros de piadas, crônicas regionais e textos que mergulham com graça no espírito da roça e da cidade.

A paixão pela história foi uma constante em sua trajetória. Dedicou-se durante décadas à coleta de documentos, fotos e relatos orais, formando um acervo precioso sobre Itabuna e sua gente. Seu primeiro livro, Espírito da Roça, lançado em 1937, foi seguido por outras obras de caráter humorístico e regional, como Arranca Toco e Estica Toco, culminando na coletânea Troças da Rua e da Roça, publicada em 1968. Seu vasto arquivo fotográfico foi generosamente legado à Maçonaria, como forma de preservar a memória local.

Sua contribuição como historiador ganhou destaque com o lançamento, em parceria com os fotógrafos Vieira e Newton Maxwell, do livro Itabuna Cinquentenária – Documentário Fotográfico Histórico de Itabuna (1910-1960), o primeiro registro sistematizado sobre a história do município. A obra tornou-se uma referência fundamental para estudiosos e apaixonados pela trajetória da cidade.

No campo esportivo, Dantinhas foi um incansável incentivador do futebol amador itabunense. Exerceu a presidência da LIDA – Liga Itabunense de Desportos Amadores, deixando sua marca no fortalecimento do esporte local. Profissionalmente, dedicou mais de quatro décadas como gerente do extinto Banco Rural, tornando-se uma figura de grande respeito no setor bancário regional.

Homem de família e de valores, Dantinhas foi pai de Maruse Dantas, presidente da AABB de Itabuna, e avô de Ricardo Xavier, vereador, e de Rodrigo Xavier, presidente do Itabuna Esporte Clube. 

Faleceu em 2004, aos 94 anos, deixando um legado de histórias, memória e amor incondicional por Itabuna.




quinta-feira, 1 de maio de 2025

Amélia Amado, a luz fraterna de Itabuna



Nascida em 15 de julho de 1903, em Ilhéus, no seio da tradicional família Berbert, Amélia Tavares Amado foi filha de Manoel Misael da Silva Tavares, o Coronel Misael, e de Eufrosina Berbert Tavares, a conhecida Dona Santinha. Criada numa atmosfera de valores religiosos e humanitários, desde cedo demonstrou inquietude espiritual e vocação para o bem coletivo. Devota fervorosa de Santo Antônio e de São Francisco de Assis, guiava-se por sonhos que mais pareciam visões, como aquele que a inspirou a criar uma instituição voltada para a assistência aos mais necessitados. Assim nasceu a Ação Fraternal de Itabuna (AFI), um dos maiores projetos educacionais e sociais da história da cidade.

Aos 17 anos, Amélia casou-se com Gileno Amado, advogado de seu pai e figura influente na política local. Ao lado do marido, mudou-se para Itabuna, onde o acompanhou por décadas em sua vida pública. Mãe dedicada de duas filhas — Maria Célia e Neda Silva — Amélia desempenhou com afinco os papéis de esposa e educadora do lar. Mas foi após o casamento das filhas e o afastamento político de Gileno que Amélia encontrou espaço e impulso para realizar plenamente sua vocação social. Herdando recursos após o falecimento do pai, decidiu empregá-los em benefício dos menos favorecidos, revelando-se uma empreendedora do bem-estar coletivo.

Em 13 de julho de 1947, no coração de Itabuna, na própria casa em frente à Praça Olinto Leoni, fundou o Colégio Ação Fraternal, voltado exclusivamente para a formação de moças pobres. Inicialmente, o projeto oferecia cursos profissionalizantes como datilografia e corte e costura, além do curso LEC — Ler, Escrever e Contar. A demanda cresceu rapidamente, e a residência da fundadora passou a ser inteiramente ocupada pela instituição. Dali, Amélia mudou-se para a Estância Santo Antônio, na BR-415, uma propriedade adquirida por seu esposo, e deu sequência à sua missão educativa com a mesma devoção de sempre.

Em 1952, um novo marco se ergueu: o terreno que hoje abriga o Colégio Ação Fraternal foi adquirido, consolidando o sonho de Amélia em uma sólida obra de tijolos e esperança. Seu trabalho social foi reconhecido em vida com importantes honrarias. Em 1956, o Papa Pio XII concedeu-lhe o título de Comendadora do Vaticano, cuja comenda foi entregue solenemente no ano seguinte, em seu aniversário, pelo bispo Dom Rezende Costa. Também recebeu o título de Cidadã Itabunense, numa justa homenagem da Câmara Municipal à mulher que transformou a paisagem social e educacional da cidade.

Não se limitando à educação básica, Amélia idealizou e fundou a Faculdade de Filosofia de Itabuna em 1960, abrindo novos horizontes para o pensamento crítico e a formação de professores. Em Jussari, implantou o ensino primário e o ginásio, além de liderar a instalação da Matriz de Nossa Senhora das Candeias. Sua sensibilidade artística também encontrou espaço no Teatro Estudantil Itabunense (TEI), criado por ela e que, nas décadas de 1960 e 1970, foi um polo de expressão juvenil e formação cultural. Amélia acreditava no poder transformador da arte e da educação — e deu provas concretas disso.

Junto de Gileno Amado, protagonizou experiências pioneiras em reforma agrária na região cacaueira. Aposentavam seus trabalhadores de forma digna, adquirindo pequenas roças para que pudessem viver de forma independente. Além disso, seus agregados recebiam assistência médica, cestas básicas, tecidos, seguros, bolsas de estudo e acesso à escola. Em um tempo em que não havia amparo legal aos trabalhadores, Amélia e Gileno já praticavam a justiça social como um dever moral.

Viúva, Amélia viveu seus últimos anos em serenidade e plenitude, falecendo em 27 de agosto de 1983, aos 80 anos, em Itabuna. Uma das principais avenidas da cidade leva o seu nome. Sua presença, no entanto, permanece indelével na memória coletiva da cidade. Sócia benemérita de diversas instituições, é lembrada como uma figura carismática, de firmeza católica e postura progressista. Sua obra vai além das estruturas que construiu — reside no espírito de solidariedade que deixou como herança.

Amélia Amado foi mais que esposa de um líder político: foi ela própria uma liderança no sentido mais nobre da palavra. Mulher de fé, inteligência e ação, revolucionou seu tempo com ternura e coragem. A história de Itabuna não pode ser contada sem mencionar sua contribuição definitiva. Em cada sala de aula, em cada projeto social, em cada jovem que teve a chance de sonhar mais alto, há um pouco da alma generosa de Amélia Amado — essa mulher que nos ensinou, com amor e trabalho, que o futuro se constrói com fraternidade.