Imóvel histórico na Praça José Bastos será restaurado pela UESC

Aquele prédio histórico localizado na Rua Osvaldo Cruz, em frente à Praça José Bastos, onde funcionou o Instituto de Cacau da Bahia, uma agência da Sulba e a Cesta do Povo, será restaurado pela Universidade Federal de Santa Cruz. O imóvel hoje pertence à UESC, que está aguardando apenas que a Prefeitura de Itabuna faça a realocação dos comerciantes alojados ali ao lado para realizar a requalificação do prédio, iniciando pelas fachadas. Um colaborador da nossa página nos enviou a simulação de como ficará.

Manoel Pereira Gonçalves, o “Papai Noel” das calçadas de Itabuna

O Ícone Contracultural que Beliscava as Musas da "Geração Dourada"

A história não registra seu berço, nem a saga familiar que o trouxe ao sul da Bahia. Para a Itabuna dos anos 50 e 60, Manoel Pereira Gonçalves simplesmente existiu, um enigma barbudo que a memória popular batizou de "Papai Noel" pela óbvia semelhança com o mito ocidental. Mas nosso Papai Noel tropical era mais do que uma caricatura natalina: era o contraponto vivo, o sarcasmo encarnado, a antítese filosófica de uma cidade "mergulhada no egocentrismo, na individualidade e na falta de amor ao próximo". Ele se tornou, sem querer, a estrela maior de um palco improvável, deixando um vazio biográfico que só exalta sua aura: afinal, “Papai Noel” nunca disse a ninguém onde nasceu, viveu, ou quem eram seus pais.

Seu ponto de observação era estratégico: a porta do Cine Itabuna. Ali, ele reinava como a “marca registrada de uma geração” que buscava escapismo na tela e encontrava a realidade mais dura e fascinante na calçada. Carrancudo e sério, ele era o guardião do templo da sétima arte, um mestre da introspecção cujos olhos profundos exprimiam a dureza material da vida. No entanto, a sua presença, alimentada pela bondade de terceiros como o saudoso Bionor Rebouças, era a prova viva de que a solidariedade ainda respirava, mesmo que timidamente, na paisagem urbana.

O nosso herói, porém, não era feito só de seriedade e reflexão. Papai Noel carregava um charme irreverente e bem-humorado, uma dose de swing inesperada que o ligava diretamente à efervescência jovem da época. O artigo imortaliza o seu gesto mais audacioso e gentil, aquele que o tirava da apatia aparente e o colocava na lista dos crushs inesquecíveis: o Papai Noel das tardes de cinema “entre um cochilo e outro, ainda tinha energia para dar uma beliscada carinhosa nas pernas das gatinhas que passavam à sua frente". Um flerte histórico, um toque de ternura vintage que selava sua popularidade.

A comunidade o adorava não apenas pelo folclore, mas pela carga simbólica de sua vida. A meninada e os mais velhos nutriam por ele “um carinho todo especial, como se aquele ser humano fosse a reencarnação de um grande espírito” enviado para reeducar os itabunenses. A ironia era sublime: o homem mais pobre da rua era, na verdade, o mais rico em significado, pois sua mera existência era o espelho que a sociedade egocêntrica não queria olhar. Sua presença era um convite perene à meditação.

Apesar da carcaça maltrapilha da velhice, a história é enfática ao exaltar a força de um passado não revelado. Seu corpo, “apesar da idade, dava sinais de que, na mocidade, Papai Noel foi um ser humano forte e robusto", escreveu um jornalista da época. Esse vigor ancestral reforçava a sua estatura lendária, sugerindo que o homem escolhera, ou fora levado, a viver uma existência de despojamento voluntário ou forçado, mas sempre com dignidade. Seu mistério nunca foi desvendado, e a ausência de dados biográficos completos apenas consolidou sua lenda como um espírito livre.

Assim, Manoel Pereira Gonçalves não nos deixou presentes materiais, mas um legado imensurável que transcendeu sua morte em 7 de agosto de 1967. Ele foi um "exemplo para toda uma geração", um filósofo da calçada que ofereceu à cidade a “lição de humildade, da compreensão, da fraternidade e da justiça social.” Papai Noel de Itabuna é a prova de que a maior riqueza de um homem pode residir na mais absoluta pobreza, e que o humor e a ternura podem ser as ferramentas mais eficazes para a crítica social. Sua vida simples permanece, até hoje, uma das mais elaboradas peças do nosso folclore urbano.

Sabará, o Maestro das baquetas e da vida

Um tributo em rufos, lembranças e sorrisos ao grande mestre da bateria do sul da Bahia

Aldamiro Leôncio da Silva — ou simplesmente Sabará — é mais que um baterista; é uma aura sonora que ecoa pela história musical do interior da Bahia. Com mais de oitenta anos vividos e dezenas de décadas dedicadas à arte da percussão, sua trajetória se impõe como uma narrativa de persistência, de encantamento e de generosidade. Ele virou mito, mestre e ponte entre gerações.

Desde os primeiros compassos de sua vida, Sabará mostrou que sua missão era vibrar junto com os sons mais profundos. “Devo ter uns 75 anos de bateria, desde aprendiz”, confidencia com humildade e orgulho, tão seguro de seu longo caminho quanto sorridente ao narrá-lo.

Seu apelido, curiosamente nascido no futebol de praia, carrega esse gesto de paixão popular: corria nas areias igual a um jogador do Vasco, e assim adotou o nome — um batismo leve, bem-humorado, mas que o acompanha com dignidade ao longo da vida.

A carreira de Sabará não se construiu apenas nos palcos das boates ou nos salões iluminados, mas sobretudo nas salas de aula — quem o conheceu sabe: ele formou muitos dos grandes bateristas da região. Bruno, Cláudio Kron (residindo na Inglaterra), Tadeu Oliveira (na Itália), Tiago Nogueira (em Salvador) — todos passam pela escola e pelo afeto desse mentor incansável.

Sua militância musical é feita de deslocamentos geográficos e encontros memoráveis. Ele tocou no Rio de Janeiro, no Clube Realengo e no Hotel Quitandinha; depois veio ao sul da Bahia, onde integrou bandas, formou quintetos (como o “Lord Show”) e ajudou a criar um panorama cultural em cidades como Ilhéus e Itabuna.

O talento de Sabará ultrapassa a habilidade técnica: ele é também pensador da música. Em sua fala, destaca que o ato de tocar bateria ilumina a neurociência — “tocar bateria alivia estresse, fadiga, hipertensão” — e que o processo pedagógico pode servir a todos, inclusive à terceira idade.

Em sua didática, ele adota o que poderíamos chamar de “imediatismo musical”: no primeiro dia de curso, o aluno já se aproxima do instrumento; em poucos meses muitos já tocam músicas completas. Sua apostila, elaborada com carinho, é guia e estímulo: ele insiste que “música é ciência exata”, mas também paixão visceral.

Ele não teme desafios: sabe da dependência entre mãos — exercita a “independência dos órgãos” — ensina a mão esquerda a trabalhar como a direita, transforma canhotos em bateristas de ambidestria. Polirritmia, coordenação, técnica: tudo isso é parte de seu repertório de combate ao tédio e ao ócio.

Mesmo com tantos anos nos tambores, ele nunca deixou o brilho da juventude. Mantém bom humor e simpatia inabaláveis, celebrando a vida como um compasso sempre novo. Ele rejeita a “bateria eletrônica” com firmeza de tradicionalista, ainda que reconheça seu valor para a experimentação — mas sua alma está na bateria acústica, no couro, no estalo orgânico do tambor.

Sabará é mais que um músico: é guardião de uma cultura que sucumbe ao tempo. Ele lamenta que cidades como Itabuna tenham perdido o brilho de antigas festas e carnavais, e critica a falta de valorização dos talentos locais. 

O Jardim da Prefeitura

Por Cláudio Apê A. Freire

Hoje acordei mais nostálgico do que de costume. Deixei-me levar de volta aos anos 60, transportando-me para o jardim da antiga prefeitura de Itabuna. O famigerado Jardim da Prefeitura! Naqueles anos dourados, ainda adolescente, aquela praça lendária era o point da juventude, onde tudo acontecia em torno da paquera e dos modismos da época. Os sábados e domingos à noite eram o ápice dos acontecimentos semanais, uma verdadeira apoteose de encontros e desencontros.  

A preparação para aqueles momentos mágicos — que, diga-se de passagem, resultaram em muitos casamentos e famílias — começava já na tediosa segunda-feira, como um ritual sagrado. A expectativa crescia à medida que os dias passavam e o fim de semana se aproximava. Era preciso ter a “mina” já em vista e, caso houvesse reciprocidade — ou seja, se a garota “desse mole” ou “bola”, como se dizia na época —, não havia espaço para hesitações. A abordagem precisava ser fluente e interessante, para não ser tachado de “porre”. Ensaios eram essenciais para evitar vexames e expor a temida timidez.  

A aparência também não podia ser negligenciada. As regras da paquera exigiam roupas da moda: uma calça Lee, comprada na “Ilha dos Ratos” em Salvador, ou uma Topeka, adquirida nas Casas Sales ou na J. Rihan (conhecida por seus artigos de qualidade), combinadas com uma camisa de anarruga e uma botinha Calhambeque, caíam muito bem. O perfume, claro, era indispensável — podia ser o “Lancaster” ou a “English Lavander”. Tudo era meticulosamente planejado, afinal, a concorrência era acirrada, especialmente com os playboys vindos de Ilhéus, Salvador ou do sul do país.  

Mas voltemos ao nosso cenário principal: o Jardim da Prefeitura. Nos fins de semana, o desfile começava pontualmente às 20 horas. Os jovens circulavam em sentido horário ou anti-horário, dependendo do flerte em questão. Para as moças sob rigorosa vigilância dos pais, o horário de encerramento era impreterivelmente às 22 horas, sob pena de serem repreendidas com “brados retumbantes” e castigos. Já os mais libertos, que podiam ultrapassar o horário “regulamentar”, tinham acesso a duas programações emblemáticas, que às vezes se estendiam até a madrugada.  

A primeira opção, para os sortudos que tinham carro, era sintonizar a Rádio Mundial do Rio de Janeiro e ouvir, em alto volume, o programa “Ritmos de Boite”, apresentado pelo talentoso e precocemente falecido DJ Newton Alvarenga Duarte, o Big Boy. O programa trazia os maiores sucessos da época, com artistas como Johnny Rivers, George Benson, Scott McKenzie, Beatles, Rolling Stones, The Mamas and The Papas, Herman’s Hermits, The Cowsills e muitos outros.  

A segunda atração era a domingueira dançante do Itabuna Clube. Lá, ao som de conjuntos como Lord Ritmos, Os Grapsons e Joel Carlos, os casais se exibiam em diversos ritmos. Destaques como os irmãos Humberto e Simone Netto, que arrasavam nas músicas caribenhas; os irmãos Biró e Vera Apê, no twist; Duduca Paixão e suas parceiras, no rock’n’roll; e Ceiça Sá e Gilsinho Rodrigues, nos boleros deslizados no salão encerado com cera Parquetina, faziam a alegria da galera. Tudo isso sob o olhar atento do rigoroso gerente do clube, Sr. Jacinto, que, com suas calças um tanto frouxas, vivia o dilema de decidir se repreendia os casais dançando coladinhos ou se ajustava suas roupas.  

Hoje, embora a praça ainda exista (agora chamada Praça Olinto Leone), os points da juventude mudaram de localização, especialmente com o advento dos shoppings centers e as mudanças comportamentais dos jovens modernos. No entanto, os programas daquela época — como os cinemas, teatros, piscinas do GTC e as belas praias de Ilhéus — preenchiam o tempo e os anseios dos jovens de Itabuna dos anos 60, sem nada dever às grandes metrópoles do Brasil.  

Por isso, é justificável essa minha nostalgia. Aqueles tempos dourados, que começavam no querido e saudoso Jardim da Prefeitura, deixaram marcas profundas em todos que viveram aquela época de plena e irrestrita felicidade. E é com imensa saudade que relembro esses momentos, celebrando a magia daquela juventude que, mesmo distante no tempo, permanece viva na memória e no coração.

A gestão no Futebol: o prazo de validade do poder


Por Cláudio Apê A. Freire

A gestão em organizações de qualquer setor ou natureza parece ter, de fato, um prazo de validade. A longevidade desse prazo está diretamente ligada a uma variável crucial: a obtenção de resultados. Consequentemente, podemos classificar as gestões em longevas, de médio prazo, de curto prazo ou — como infelizmente ocorre em muitos casos — quase natimortas.

Os motivos para essa variação são diversos, mas todos passam por um crivo decisivo: a tomada de decisão. A avaliação de um gestor é balizada pela sua taxa de acertos e erros, a qual, por sua vez, está intrinsecamente relacionada às escolhas que faz. Ao final desse processo, surge o elemento que define sua trajetória: o tempo de permanência.

No futebol, não é diferente. Clubes são organizações como quaisquer outras, e suas gestões seguem a mesma regra: longevidade atrelada ao sucesso.

No caso do Esporte Clube Vitória, nas últimas quatro décadas, esse fenômeno tem se manifestado de maneira incontestável. Alguns dirigentes permaneceram mais tempo no cargo, em função de ciclos de resultados positivos; outros, nem tanto.

A atual direção do clube viveu seu auge ao conduzir o time à Série A do campeonato brasileiro. No entanto, neste ano, o que se vê é uma queda livre, alimentada por resultados pífios em campo e uma sequência de decisões equivocadas — especialmente nas contratações de atletas e técnicos, somadas a uma gestão financeira frágil.

O resultado não poderia ser outro: descontentamento generalizado entre uma das torcidas mais passionais do país. Se não houver uma guinada estratégica urgente, com recuperação esportiva e administrativa, dificilmente a atual direção se manterá no próximo ciclo.

Caso isso ocorra, a gestão será lembrada como um caso típico de sucesso efêmero — de curto prazo. E não será por falta de aviso: a história recente do Vitória mostra que a perpetuação no poder é rara e que a cobrança por resultados é implacável.

Que os próximos gestores do clube tenham em mente essa lição. Para evitar o risco de entrar para a galeria das gestões quase natimortas, é preciso pisar em solo firme, com planejamento, transparência e — acima de tudo — competência.

A torcida do Vitória, como a de qualquer grande clube, não merece menos que isso.

Oportunidade única: seja proprietário de uma cabana em Águas de Olivença!


Vou te apresentar uma dica de investimento que pode mudar a sua vida! Seja proprietário de uma Cabana no condomínio Águas de Olivença, em Ilhéus, Bahia. Esse verdadeiro paraíso fica a 20 km do aeroporto em Ilhéus. E a 01 km do Cana Brava Resort. Ao lado do condomínio Privê. 

- Área construída: 10 m (comprimento) x 06 m (largura).
- Área do terreno: 20m x 20m.

Ideal para a atividade de cabana de Praia com comercialização de comidas, bebidas e lanches. Uma verdadeira mina de ouro durante a alta estação! Entre em contato agora, por Telefone ou WhatsApp, e solicite mais informações. 

A oportunidade está batendo à sua porta! Venha atender!

Mônica Helan
73 99194-9765 
Rone Mangabinha
73 99107-7058

Últimas Postagens

Funarte lança plataforma Rede das Artes

Novo ambiente digital fortalece, conecta e difunde as artes brasileiras, com impacto direto na Bahia

Celebrando o Dia Nacional das Artes, 12 de agosto, a Fundação Nacional de Artes (Funarte) lança a plataforma digital pública Rede das Artes, uma iniciativa inédita voltada à articulação e difusão da produção artística brasileira, em sua diversidade e abrangência. A ferramenta já nasce com forte presença de agentes e iniciativas da Bahia, especialmente do Sul do estado, e abre novas oportunidades para artistas, produtores e coletivos fortalecerem seus trabalhos e ampliarem a circulação de suas criações.

A plataforma permite o cadastramento de agentes, eventos, espaços, iniciativas e oportunidades ligadas às artes, funcionando como um grande portal de pesquisa e acesso aos movimentos artísticos em atividade. Com isso, artistas baianos poderão se conectar a redes criativas de todo o país, identificar parcerias e acessar uma agenda artística ampliada.

“A Rede das Artes nasce para conectar, articular, visibilizar, difundir e fortalecer as artes em todo o Brasil e a Bahia tem papel central nesse movimento. É um ponto de encontro entre agentes artísticos, grupos, coletivos, espaços, eventos, programas, políticas e público. No contexto da Política Nacional das Artes, ela responde a uma demanda histórica por mapeamento e fortalecimento dos elos da rede produtiva, com foco na difusão e no encontro com os públicos. É um Brasil das Artes em movimento, comprometido com o acesso à arte como direito de todas as pessoas”, afirma a presidenta da Funarte, Maria Marighella.

A Rede das Artes também é resultado de uma estratégia digital que contempla metodologias participativas, tutoriais, cursos de formação e ferramentas de análise de dados. O objetivo é integrar iniciativas fomentadas pela Funarte, ampliar a transparência e dar mais visibilidade aos projetos financiados com recursos públicos, incluindo ações já realizadas e em andamento na Bahia.

O lançamento marca uma nova etapa para a política de arte no país, descentralizada e inclusiva, que reconhece o papel central das artes na construção de uma sociedade plural, democrática e conectada. Na Bahia, o impacto será sentido na ampliação do alcance dos artistas, no fortalecimento das redes regionais e na presença ainda maior da produção artística baiana no cenário nacional.

Sobre a Funarte

A Fundação Nacional de Artes (Funarte) é vinculada ao Ministério da Cultura do Governo Federal e tem a missão de promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento, a difusão, a pesquisa e a memória das artes no país. Em 2025, completa 50 anos de existência, reforçando seu compromisso com a construção e articulação de políticas públicas para as artes.


Acesse: rededasartes.cultura.gov.br

Fotógrafo baiano lança livro-documentário sobre o povo em situação de rua

O fotodocumentarista Heitor Rodrigues, lança na próxima quarta-feira, dia 13, no Centro de Cultura João Gilberto, às 19 horas, em Juazeiro, norte da Bahia, seu terceiro livro documentário. 

Com o título [às] Margens do Olhar, a obra traz imagens da realidade das pessoas em situação de rua dos municípios de Juazeiro (Bahia), Petrolina (Pernambuco) e São Paulo (capital). 

O prefácio do livro é de autoria do agente social, o padre Júlio Lancelotti, pároco episcopal da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo. O trabalho teve concepção e captação de imagens há mais de dois anos.

“Venho acompanhando essas pessoas desde 2022; pessoas que estão à margem da sociedade e todos com grandes histórias. Vivenciar isso, foi muito impactante. Toda parte textual do livro são as histórias dessas pessoas”, revela o fotógrafo Heitor Rodrigues.

Em um trecho do prefácio, o religioso destaca a relação da fotografia com o afeto, o amor e a dor. "Que a foto seja o afeto, que o afeto seja fotografado, que a vida seja perpetuada no momento do amor, no momento da dedicação, no momento em que eles estão documentando a dor e o amor", cita o padre Lancelotti em seu texto.

O lançamento do livro-documentário será acompanhado de uma exposição fotográfica com os personagens que integram a obra. “Junto com o lançamento do livro, haverá uma exposição fotográfica com as pessoas que ilustram a publicação com suas imagens e suas histórias”, afirma Rodrigues.

Este é o terceiro livro-documentário do fotógrafo Heitor Rodrigues. O primeiro, “Juazeiro: Luz e Sombras", foi em e-book em 2020. O segundo, “Pirilampos da Caatinga”, lançado em 2021, traz um mergulho na cultura de vaqueiros de Uauá, cidade também do norte da Bahia.

[às] Margens do Olhar é um projeto que foi contemplado nos Editais da Lei Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura da Bahia, direcionado pelo Ministério da Cultura.



Titio Brandão – a voz que abraçou um povo

 

Poucos nomes ecoam com tanta ternura e respeito na história de Itabuna quanto o de Antônio Brandão de Jesus, o inesquecível Titio Brandão. Nascido em 11 de maio de 1927, em Feira de Santana, chegou ainda menino a Ilhéus, onde construiu os alicerces de sua vida e trajetória. Desde cedo, revelou vocação para a comunicação e para o serviço ao próximo, unindo a potência de sua voz ao calor do coração generoso.

Aos 16 anos, deu os primeiros passos no rádio, na Rádio Cultura de Ilhéus, como office-boy e datilógrafo. O destino, porém, tinha outros planos: a ausência de um locutor por motivos de saúde abriu espaço para que sua voz ganhasse o microfone. A partir dali, o que era apenas auxílio técnico se transformou em missão: comunicar, emocionar e unir. Foi nesse mesmo período que começou um trabalho social marcante, arrecadando presentes no comércio para distribuir às crianças carentes — e, com esse gesto afetuoso, nasceu o carinhoso apelido que o eternizaria: Titio Brandão.

Ainda jovem, criou o programa infantil “Nossa Gente Pequenina”, onde crianças declamavam poesias e cantavam com alegria. Ampliou sua atuação ao organizar o “Show dos Calouros” no Clube dos Comerciários de Ilhéus, com a cantora Norma de Assis, sua cunhada e parceira de palco. Também coordenou festas populares como o “Dia das Mães”, “Dia das Crianças”, “Natal dos Pobres”, sempre levando carinho e esperança à população mais humilde.

A sua trajetória seguiu para Itabuna, a convite do jornalista Otoni Silva, para integrar a fundação da Rádio Clube de Itabuna — atual Rádio Nacional. A chegada de Titio Brandão marcou o início de uma nova era na radiodifusão da cidade. Trouxe consigo talentos como Norma de Assis, Alfa Santos e Romilton Teles, fortalecendo o elenco artístico local. Sua voz e carisma tornaram-se presença indispensável no cotidiano itabunense.

Homem de família extensa e dedicada, casou-se com Cleonice Prazeres de Assis, com quem construiu um verdadeiro clã: foram 11 filhos (02 falecidos), netos, bisnetos e tataranetos. Um núcleo familiar que ecoa, até hoje, os valores de união, alegria e generosidade que ele propagava no rádio e na vida.

Nos anos 1960, Titio Brandão se destacou também como vereador voluntário, exercendo seu mandato sem remuneração. Foi responsável por trazer a Itabuna ícones da música nacional, como Roberto Carlos, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e o palhaço Carequinha. Promoveu eventos grandiosos e populares, criando datas comemorativas como o Natal da Criança Pobre e o Dia dos Motoristas, além de fomentar a cultura por meio dos blocos carnavalescos Os Quizimbas e Unidos do Pontalzinho.

No bairro do Pontalzinho, onde morou, foi figura decisiva para o desenvolvimento urbano: lutou pela pavimentação de ruas, fundou o Clube Social do Pontalzinho e idealizou o programa “O Bairro se Diverte”, transmitido ao vivo pela rádio, reunindo artistas e calouros com sorteios e premiações para a comunidade. Sua voz, sempre acolhedora, levava entretenimento e dignidade às periferias esquecidas.

Seu legado foi reconhecido em vida com o título de Cidadão Itabunense, concedido mesmo em meio à fragilidade de sua saúde. Após sua morte, em 18 de abril de 2000, sua memória permanece viva na cidade que tanto amou. Em 2024, a principal praça do bairro Pontalzinho foi rebatizada como Praça do Trabalho Titio Brandão, graças a um projeto de lei sancionado com unanimidade e entusiasmo.

Titio Brandão não foi apenas um radialista, apresentador ou vereador. Foi um pioneiro da solidariedade, um empreendedor cultural e um símbolo de afeto popular. Sua voz não apenas transmitiu notícias ou canções, mas inspirou gerações a acreditar no poder da comunidade, da arte e do amor ao próximo. Seu nome ecoa como exemplo de um tempo em que o rádio era ponte entre corações — e Titio Brandão, o construtor dessa ponte.


Itabuna: uma cidade à procura de sua memória

Por Cláudio Apê A. Freire

Desde sua emancipação política e administrativa em 1910, Itabuna experimentou um surto desenvolvimentista que a colocou entre as cidades mais prósperas da Bahia. 

Impulsionada pela economia cacaueira, essa era de prosperidade perdurou até os anos 1970, quando a crise da vassoura-de-bruxa devastou as lavouras e abalou sua hegemonia. Nas décadas seguintes, o município viu-se superado por outros centros em indicadores demográficos, econômicos e socioculturais.  

Apesar dos desafios, Itabuna, polo regional de comércio e serviços, tem buscado recuperar seu vigor através da resiliência de sua população. Aos poucos, surgem melhorias em infraestrutura e dinamismo urbano, mas a cidade ainda padece de graves deficiências em qualidade de vida e, sobretudo, na preservação de sua memória histórica.  

No dia 28 de julho, enquanto celebrava 115 anos de emancipação, Itabuna foi vítima de um ato simbólico de sua amnésia coletiva: o busto do Comendador Firmino Alves, fundador da cidade, foi roubado da Praça Santo Antônio, seu marco inaugural. 

O episódio escancara um padrão de descaso. Antes disso, testemunhamos a demolição da residência de Firmino Alves, a destruição do Castelinho do coronel Domingos Brandão (seu genro), o abandono do antigo artesanato da cadeia pública, a degradação do Grapiúna Tênis Clube e o esquecimento de Ferradas, berço de Jorge Amado.  

Essa erosão da memória não é acidental. Reflete a falta de políticas públicas articuladas entre poder municipal e iniciativa privada para valorizar o patrimônio material e imaterial. Reverter esse quadro exige mais que restauração de prédios: demanda um projeto que reinsira Itabuna no mapa econômico e sociocultural da Bahia, transformando ruínas em espaços de educação e turismo, resgatando narrativas e honrando seus pioneiros.  

Sem essa virada, o epitáfio da cidade será: "Itabuna, uma cidade sem memória".

Educandário Cordolina Loup ganha documentário que conta a sua história


Link para o vídeo:
https://youtu.be/DX8S08W91nI

Desde 1956, existe na margem da BR 415 (Ilhéus-Itabuna) uma instituição que é uma verdadeira bênção para a região, sobretudo para as centenas de crianças que passaram por lá (hoje adultos que vivem em diversos estados brasileiros e também ouros países). A maioria dos itabunenses conhecem o Educandário Cordolina Loup Graças à Irmã Catarina, uma freira que andava pelas ruas da cidade vendendo deliciosos biscoitos, para ajudar nas despesas da casa.

O Educandário Cordolina Loup Reis existe graças à generosidade do Coronel Henrique Alves dos Reis, que doou o terreno à Congregação Nossa Senhora dos Humildes, que com a ajuda de diversas empresas e órgãos públicos, além de políticos e voluntários, ali construiu um verdadeiro lar para crianças carentes, abandonadas ou simplesmente moradoras de fazendas próximas.

Nesta segunda feira, 7 de julho de 2025, foi lançado um curta metragem com um documentário, inde, com narração da diretora da instituição, Irmã Edna, são mostradas imagens e contada a história daquela casa de acolhimento. O filme foi realizado graças ao apoio concedido pela Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC), através da aprovação do projeto pela Lei Paulo Gustavo 2024. José Carlos Almeida, proponente do projeto, também é responsável pela Produção, Roteiro, Filmagem e Edição. A Direção é de Janaina Huang, que também é responsável por filmagens. Como forma de assessibilidade, foi incluído um intérprete de Libras, a linguagem brasileira de sinais.

Henrique Alves dos Reis nasceu em 19 de maio de 1861, filho de uma escrava e um padre. Tornou-se um dos grandes cacauicultores e empreendedores da sua época. Fez a doação de um pedaço da sua fazenda para a criação do Educandário Cordolina Loup dos Reis. Faleceu em 8 de janeiro de 1940.

Nascida em 1870, em Ilhéus, Cordolina Loup dos Reis participou de várias iniciativas ligadas à Educação, Cultura e Assistência Social em Itabuna. Foi a segunda esposa do Coronel Henrique Alves. Faleceu em 1952, sem deixar herdeiros diretos. Mas seu nome e legado segue inspirando as novas gerações. 

Maria Catarina de Carvalho Luna (Irmã Catarina de Jesus Luna) nasceu em 1904 e faleceu em 29 de outubro de 1992, aos 88 anos. Uma vida dedicada à caridade no Educandário Cordolina Loup Reis.

Com a chegada do novo milênio, o número de alunos no Educandário Cordolina Loup foi reduzindo gradativamente. Atualmente, não tem atividade educacional, mas a Irmã Edna Suzart ainda mantém uma forte atuação na evangelização e assistência a famílias de fazendas vizinhas. Os Biscoitos Irmã Catarina continuam sendo produzidos, agora sob responsabilidade da Irmã Edna. E continuam deliciosos!

José Moreira Laytynher: o visionário da Tubaína Real e do progresso itabunense

Nascido em 2 de julho de 1937, no município baiano de Camacã, José Moreira Laytynher tornou-se, ao longo da vida, uma das figuras mais emblemáticas do empreendedorismo regional. Com espírito inquieto e visão de futuro, firmou raízes em Itabuna, cidade que abraçou com fervor e à qual dedicou décadas de trabalho incansável. Seu nome tornou-se sinônimo de inovação, persistência e compromisso com o desenvolvimento econômico e social do sul da Bahia.

Casou-se em 1963 com Noélia Araújo Nascimento, com quem construiu uma família alicerçada em valores sólidos e visão progressista. Ao longo dos anos, tornou-se viúvo, mas não perdeu a vitalidade que o caracterizava. Incansável, Laytynher trabalhou por três turnos, empregando dezenas de pessoas e movimentando a economia de Itabuna. Seu ritmo intenso de trabalho (trabalhava nos três turnos) era fruto de uma paixão inabalável pela transformação da realidade ao seu redor.

Foi em 1982 que José Moreira Laytynher fundou a icônica Indústria e Comércio de Bebidas Real Ltda, criadora do refrigerante Tubaína Real, instalada na Rua Santa Cruz, nas proximidades do Hospital Manoel Novaes. O produto tornou-se um verdadeiro símbolo regional, com sabores marcantes como tutti frutti, laranja, cola e limão. O sucesso da marca projetou seu nome além das fronteiras do município, tornando-o referência no setor industrial do interior baiano. A empresa, posteriormente vendida em 2002 para os proprietários da Bivolt, eternizou o espírito empreendedor de seu criador.

Laytynher não se limitava às paredes da indústria. Foi voz ativa nas mais importantes instituições de representação da classe empresarial itabunense, como a Associação Comercial e Industrial (ACI), a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e o Rotary Club. Ocupou cargos de liderança e contribuiu de forma efetiva para o fortalecimento do setor comercial. Em suas gestões e participações, jamais cessou de reivindicar um Porto Seco e um Centro de Abastecimento para Itabuna, projetos que considerava fundamentais para o progresso local. Embora não tenha vivido o suficiente para ver esses sonhos realizados, deixou-os como bandeiras para as futuras gerações.

Além do seu desempenho empresarial, Laytynher atuou com dedicação em causas sociais e filantrópicas. Foi membro atuante da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna, instituição à qual serviu com zelo e generosidade. Seu envolvimento com entidades de cunho social evidenciava um espírito solidário, sempre atento às necessidades dos mais vulneráveis. Era um itabunense apaixonado por sua cidade, que lutava diariamente pelo bem comum.

No ambiente empresarial, Laytynher era reconhecido por sua seriedade, espírito visionário e capacidade de transformar ideias em realizações concretas. Sua presença era marcante nas reuniões, nos conselhos, nas decisões que moldaram a história recente de Itabuna. Por onde passava, deixava a marca do comprometimento e da fé no potencial regional.

José Moreira Laytynher faleceu em 12 de dezembro de 2020, aos 83 anos, no Hospital de Ilhéus. Recuperava-se de uma cirurgia de próstata quando foi infectado pelo coronavírus, vindo a falecer ao meio-dia daquele sábado. Seu passamento foi lamentado por toda a cidade, que reconheceu nele não apenas um empresário de sucesso, mas um verdadeiro construtor de sonhos coletivos, um homem cuja obra ultrapassa o tempo.

Rildo Laytynher

O legado de José Moreira Laytynher permanece vivo especialmente através de seu filho, Rildo Araújo Laytynher, nascido em 12 de dezembro de 1966, em Itabuna. Educado nos tradicionais colégios Divina Providência e AFI, Rildo deu continuidade à veia empreendedora da família. Formou-se em Química Industrial pela Universidade Federal de Sergipe - com pós-graduação em Engenharia de Produção (UFS) e Gestão Estratégica Empresarial (UNIME) - e foi o grande responsável por inventar a Tubaína Real, ampliando sua linha de produtos e lançando novas marcas de sucesso como os energéticos Bivolt e Night Blue. Também criou a Talimpo Produtos de Limpeza.

Vive em Aracaju, onde é o presidente do Conselho Regional de Química de Sergipe, Químico Responsável por 2 empresas e ainda Químico Responsável pelo Chocolate Caseiro de Ilhéus (há 29 anos). Contínua atuante na área: recentemente, em Aracajú, desenvolveu o refrigerante Tubaína Q’Tal, para uma empresa local. Com talento e inovação, honra o nome de seu pai e reafirma o compromisso dos Laytynher com o crescimento regional.

Tubaína 

A tubaína é um refrigerante tradicionalmente brasileiro, com sabor marcante de guaraná misturado ao tutti-frutti, criado no interior do estado de São Paulo. Apesar das divergências sobre sua origem exata, a versão mais difundida credita sua criação à fábrica de bebidas Andrade, em Piracicaba, no final do século XIX. Outra narrativa sugere que a empresa Ferráspari, de Jundiaí, foi a responsável pela invenção ao registrar a marca “Turbaína” na década de 1930. Ao longo dos anos, a bebida ganhou espaço nas mesas do interior paulista, tornando-se um símbolo regional e inspirando diversas marcas locais, entre elas a Itubaína, da antiga Schincariol, que protagonizou disputas judiciais pela exclusividade do nome.

Inicialmente envasada em garrafas de vidro de 600 ml, reaproveitadas das cervejarias, a tubaína passou por transformações com o avanço da indústria. Atualmente, a maioria das fábricas prefere produzir em garrafas PET de 1 ou 2 litros, o que facilita o processo produtivo e reduz os custos operacionais. Mesmo com essas mudanças, a tubaína preserva seu lugar na memória afetiva dos brasileiros, especialmente daqueles que cresceram nas cidades do interior, onde ela continua sendo símbolo de tradição e simplicidade. Em Itabuna, ganhou 04 novas versões, sob a marca “Tubaína Real”.

Bionor Rebouças: uma história de luz e caridade

 

Bionor Rebouças nasceu em 6 de abril de 1928 e, ao longo de sua vida, guiou-se firmemente pelos princípios da doutrina espírita. De espírito solidário e sensível às dores humanas, dedicou sua existência aos mais carentes da cidade de Itabuna, na Bahia. Sua jornada foi marcada pela fundação de instituições voltadas à assistência dos desamparados, sempre com o olhar voltado à dignidade humana e à fraternidade.

Movido por esse ideal, participou da criação de obras duradouras como o Abrigo Jovelino Conceição, o Abrigo do Centro Espírita Tupinambá e a Casa da Criança Nosso Lar — atual Lar Fabiano de Cristo —, oferecendo amparo a crianças e idosos. Também foi o idealizador da Campanha do Quilo, importante ação beneficente, e um dos defensores da implantação do Centro Comercial de Itabuna, contribuindo para o desenvolvimento urbano da cidade.

Em outubro de 1971, Bionor deu vida ao Albergue Bezerra de Menezes, instalado no bairro do Antique, em uma avenida que hoje leva o seu nome. Ali, passou a acolher doentes em situação de vulnerabilidade, especialmente tuberculosos e portadores do HIV. O espaço cresceu, abrigando também uma creche e uma escola primária mantidas por meio de convênios com prefeituras da região. Junto ao albergue, fundou o Centro Espírita Bezerra de Menezes, fortalecendo ainda mais sua missão espiritual e social.

Bionor Rebouças faleceu em 25 de setembro de 1988, mas a obra que construiu com fé e compaixão segue viva. Apesar do limitado apoio oficial, as instituições por ele fundadas continuam a oferecer abrigo, educação e esperança, preservando o testemunho de um homem que fez da caridade o seu compromisso com o mundo.

A jornada de D. Laura Conceição: um legado de Fé e Solidariedade

Nascida em 8 de janeiro de 1877, em Itapagipe, Salvador, D. Laura Conceição (que ficaria conhecida como D. Senhora) veio ao mundo marcada pela força de sua origem. Filha de Maria Escolástica de Jesus, uma mulher que conheceu as agruras da escravidão no engenho Rio Novo, em Santo Amaro da Purificação, e do português Manuel Fonseca da Conceição, Laura carregava em si a herança de resiliência. 

Sua mãe, alforriada em 1870 com a Lei do Ventre Livre, faleceu cedo, e o novo casamento de seu pai com D. Adelaide da Costa, de família tradicional baiana, trouxe rejeição e sofrimento à jovem Laura. Encontrou refúgio na costura, um ofício que a levou a trabalhar para famílias ilustres de Salvador, como as de Carneiro Ribeiro e Martins Catarino. Noiva do português Constantino, viu seus planos desmoronarem com a morte precoce dele, mas o destino a guiaria para um novo capítulo em Itabuna.

Convidada a costurar o vestido de casamento de Herundina Maria Moura de Jesus, neta mais velha da influente família Moura Teixeira, Laura chegou a Itabuna e ali fincou raízes. Sua habilidade com a agulha abriu portas, mas foi seu carisma e dedicação que a tornaram parte essencial dos eventos sociais da cidade. 

Promovia festas beneficentes, como a Festa da Primavera, piqueniques e celebrações religiosas, sempre com o propósito de unir a comunidade. Sua generosidade se estendeu à fundação da Filarmônica Amantes da Lira e à atuação como irmã benfeitora da Santa Casa de Misericórdia de Itabuna e da Sociedade Montepio dos Artistas. Laura não apenas costurava tecidos, mas também os fios de uma sociedade que encontrava em suas iniciativas um senso de pertencimento.

Quando a igreja matriz de Itabuna ruiu em 1940, D. Laura Conceição assumiu um papel central na reconstrução da fé e da cidade. Fundou a Campanha do Cruzeiro, liderando, por 16 anos, um grupo de moças que, todas as quartas-feiras, percorria as ruas pedindo um cruzeiro em cada casa para erguer a nova igreja matriz de São José. 

Como membro das Senhoras de Caridade, também buscava doações de fazendeiros e comerciantes, arrecadando dinheiro e sacos de cacau para a obra. Sem sua incansável dedicação, a catedral da diocese, hoje um marco de Itabuna, talvez não tivesse se concretizado. Sua fé inabalável a levou a colaborar na fundação do Colégio Divina Providência e da Ação Fraternal de Itabuna, solidificando seu compromisso com a educação e a solidariedade.

D. Laura Conceição partiu em 28 de agosto de 1973, mas seu nome permanece eternizado na praça onde se ergue a catedral de São José, um testemunho de sua vida dedicada à comunidade. Sua trajetória é um hino à perseverança, à generosidade e à fé que move montanhas — ou, no caso dela, constrói catedrais. De filha de uma alforriada a símbolo de Itabuna, Laura transformou adversidades em oportunidades para servir. Seu legado, tecido com fios de bondade e trabalho incansável, continua a inspirar, como um cruzeiro que, de casa em casa, construiu muito mais que uma igreja: construiu uma história de amor e união.


Hélio Pólvora

Nascido em 1928, na cidade de Itabuna, sul da Bahia, Hélio Pólvora de Almeida construiu uma trajetória marcada pela dedicação às letras. Escritor, jornalista, crítico literário e tradutor, mudou-se em 1953 para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por três décadas. Foi nesse ambiente efervescente que iniciou sua carreira literária e consolidou-se também no jornalismo, sem jamais perder o vínculo com suas raízes baianas.

Sua estreia na literatura se deu em 1958, com a publicação de Os Galos da Aurora, obra que já revelava sua habilidade na construção de narrativas densas e sensíveis. Ao longo dos anos, lançou livros de contos como Estranhos e Assustados, O Grito da Perdiz e Massacre no Km 13, além do romance Inúteis Luas Obscenas, reafirmando-se como um dos grandes contistas da literatura brasileira contemporânea.

No jornalismo, sua atuação foi igualmente expressiva. Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Shopping News, foi crítico literário e de cinema no Jornal do Brasil e colaborador da revista Veja. No jornal A Tarde, da Bahia, exerceu as funções de editorialista e colunista. Publicou mais de 25 livros entre ficção e crítica literária, e seus contos atravessaram fronteiras, sendo traduzidos para idiomas como espanhol, inglês, francês, italiano, alemão e holandês.

De volta a Itabuna a partir de 1984, Hélio se manteve ativo no cenário cultural. Foi membro da Academia de Letras de Ilhéus, da Academia de Letras da Bahia e da Academia de Letras do Brasil. Criou e editou o jornal Cacau-Letras e, em 1987, fundou ao lado do jornalista Manoel Leal o semanário A Região. Faleceu em Salvador, no dia 23 de março de 2015, aos 86 anos, deixando um legado que eterniza sua voz na literatura brasileira.

A Vida em Versos de Gil Nunesmaia


Gil Nunesmaia, nascido sob o sol de Ilhéus em 25 de outubro de 1913, carregava no sangue a paixão pela medicina, pela poesia e pelo ideal de transformar o mundo ao seu redor. Formado em Patologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1938, ele construiu uma carreira marcada pela dedicação à ciência e à educação. Sua alma inquieta, porém, transcendia os limites do consultório: ao lado de José Nunes de Aquino e José Soares Pinheiro, abraçou o Integralismo, movimento que o levou a militar por causas que acreditava serem justas, com a fervorosa convicção de quem deseja deixar um legado. Sua vida, como seus haicais, era uma busca por equilíbrio entre a precisão da ciência e a liberdade do verso.

Em Itabuna, Nunesmaia deixou marcas indeléveis. Em 1966, assumiu o papel de interventor federal na prefeitura da cidade, guiado por um senso de responsabilidade cívica. Sua visão ia além da administração: lutou incansavelmente pela criação da Faculdade de Filosofia de Itabuna e pela construção do Colégio Estadual, sementes de conhecimento que plantou para as gerações futuras. Como médico analista, atuou nos hospitais Santa Cruz e Manoel Novais, enquanto, como professor, formou mentes nos colégios Divina Providência e Estadual. Sua influência se estendia ao Conselho Estadual de Educação, onde ajudou a moldar políticas educacionais com a mesma precisão que aplicava em suas análises clínicas.

A poesia, porém, era o refúgio onde Gil Nunesmaia encontrava harmonia. Em 1979, publicou Intervalo, uma coletânea de haicais que capturava a essência da vida em três versos — dois pentassílabos e um heptassílabo, como um suspiro medido. Cada poema era um instante de contemplação, um reflexo de sua capacidade de enxergar beleza na simplicidade. Sua contribuição à cultura baiana também se manifestou na fundação da Associação Bahiana de Medicina-Regional Sul e da Associação Brasileira de Patologia Clínica, instituições que fortaleceram a medicina em sua região. Nunesmaia vivia entre a métrica dos versos e a rigorosidade da ciência, unindo mundos aparentemente distantes com rara maestria.

O fim de sua jornada veio em 6 de outubro de 1993, mas seu legado permanece vivo nas instituições que ajudou a erguer, nos alunos que inspirou e nos versos que deixou. Gil Nunesmaia foi mais que um médico ou poeta; foi um homem que, com a mesma dedicação com que diagnosticava enfermidades, diagnosticava as necessidades de sua comunidade. Seus haicais, breves como a vida, ecoam a profundidade de um espírito que soube entrelaçar o efêmero e o eterno, deixando em Ilhéus e Itabuna um rastro de compromisso e poesia.

Waldeny Andrade, a voz e a alma do Sul da Bahia

 


Waldeny Andrade da Silva nasceu em 1º de novembro de 1935, sob o céu sereno de Boa Nova, na Bahia, trazendo consigo uma vocação que ecoaria por décadas. Jornalista, radialista e escritor, ele moldou sua vida entre o som das ondas de rádio e as palavras impressas, dedicando-se por 29 anos à direção da Rádio Jornal de Itabuna e do jornal Diário de Itabuna. Sua voz firme e seu olhar crítico o consagraram como um dos mais respeitados profissionais da imprensa e comentaristas políticos do interior baiano, uma figura cuja influência transcendeu as ondas hertzianas para alcançar corações e mentes.

A trajetória de Waldeny, porém, não se limitou aos microfones e às redações. Em 1969, ele aventurou-se na política, tornando-se primeiro suplente na Câmara de Vereadores de Ilhéus e, posteriormente, assumindo o cargo. Sua passagem pela vida pública foi interrompida por uma cassação, acusações de subversão e comunismo pairando sobre ele como sombras de um tempo conturbado. Contudo, essas adversidades apenas reforçaram sua determinação, permitindo que se firmasse como um jornalista e radialista de rara integridade, sempre pautado por uma ética que o destacou no cenário regional.

Ao encerrar sua carreira nas ondas do rádio, Waldeny abriu as portas para um novo capítulo: a literatura. Em 2012, lançou Vidas Cruzadas, o primeiro de uma série de romances que revelou sua alma de contador de histórias. Seguiram-se A Ilha de Aramys (2013), Serra do Padeiro (2015), e os lançamentos de 2017, A Saga dos Tupinambás e Noite no Vale do Cotia, obras que entrelaçam a rica tapeçaria cultural e histórica da Bahia. Cada página escrita foi um testemunho de sua paixão por narrar o humano em suas múltiplas facetas, deixando um legado que vai além da notícia.

Waldeny Andrade partiu em 3 de junho de 2020, aos 85 anos, no Hospital Regional Costa do Cacau, vitimado por complicações cardíacas e pulmonares. Sua partida deixou um vazio no Sul da Bahia, onde sua vida dedicada à comunicação — revelando talentos e fortalecendo a imprensa — e sua contribuição social ecoam como um hino. Vereador, radialista, jornalista e escritor, ele foi um farol de ética e competência, cuja memória permanece viva nas ondas do rádio, nas linhas dos jornais e nas páginas de seus livros.

Maria Pinheiro: coragem que rompeu tradições


Maria Pinheiro nasceu em 2 de outubro de 1905, trazendo consigo uma força que logo se revelaria transformadora. Formou-se cirurgiã-dentista em 1933, em uma época em que poucas mulheres ousavam sonhar com os bancos universitários. Sua chegada a Itabuna marcou o início de uma nova era: foi a primeira profissional da Odontologia a atuar na cidade, abrindo caminhos não apenas na saúde, mas também na mentalidade coletiva.

Espírita convicta, Maria guiava sua vida pela fé e pelo compromisso com o bem comum. Humanista, idealista e ousada, desafiou os costumes de sua época com naturalidade e firmeza. Foi pioneira em atitudes simbólicas, como o uso de calça comprida e a condução de veículos — gestos simples, mas de imenso impacto em uma sociedade conservadora. Sua trajetória foi marcada pelo ativismo político e social, com mais de cinco décadas de militância em prol dos menos favorecidos.

Com olhar atento às carências de sua comunidade, prestou atendimento odontológico gratuito aos necessitados e liderou campanhas solidárias. Sua luta pela construção de um albergue no bairro da Caixa D'Água resultou na transferência da estrutura para a Legião da Boa Vontade, ampliando seu alcance. Em 1973, assumiu a chefia do Setor de Assistência Social no governo de José Oduque, dando continuidade ao seu incansável trabalho de amparo social.

A cidade de Itabuna, em justa homenagem, batizou com seu nome um bairro inteiro, eternizando sua memória no espaço urbano. Maria Pinheiro faleceu em 3 de novembro de 1997, deixando como legado uma vida de serviço, coragem e transformação. Seu exemplo permanece vivo como símbolo de empatia, resistência e trabalho voluntário.

O Rei do Cacau: A Saga de Oscar Marinho Falcão


Você já deve ter ouvido esse nome. Afinal, um dos colégios mais tradicionais de Itabuna, o CIOMF (Centro Integrado Oscar Marinho Falcão) tem esse título em sua homenagem. Na verdade, ele foi construído em terreno doado por esse ilustre cidadão.

Oscar Marinho Falcão nasceu em 28 de novembro de 1895, na pequena cidade de Itabaianinha, no interior de Sergipe. Filho de Antônio Pedro Marinho Falcão e Maria José Soares Falcão, teve origem humilde, mas logo demonstraria um espírito prático e uma disciplina férrea que marcariam sua trajetória. Ainda jovem, começou a trabalhar no armazém “O Vencedor”, de propriedade de seu sogro João Pedro de Souza Leão. 

Casou-se com Ana Soares de Souza Falcão, com quem constituiu família e deu início a uma vida dedicada ao trabalho, à poupança e ao empreendedorismo.Conhecido por sua austeridade e fama de pão-duro, Oscar construiu, com paciência e estratégia, um dos maiores patrimônios da região cacaueira. A lenda popular lhe atribuiu a posse de nada menos que 120 fazendas, conferindo-lhe o título de “Rei do Cacau”. Seu nome tornou-se sinônimo de riqueza e poder no sul da Bahia. Apesar de seu temperamento reservado, era figura lendária em Itabuna, cercado por histórias bem-humoradas e episódios pitorescos que alimentavam o imaginário popular.

Oscar Marinho Falcão era também conhecido por emprestar dinheiro a juros elevados, prática que lhe granjeava respeito e temor. Seu sobrado imponente na rua Paulino Vieira, verdadeira marca de seu sucesso, tornou-se símbolo da sua presença na cidade. 

Embora conhecido por sua dureza nos negócios, não deixou de lado a generosidade: mandou construir a capela do Abrigo São Francisco, um gesto de fé e solidariedade. Já em saúde debilitada, delegou ao senhor Cedar Fontes de Faria a conclusão da obra, demonstrando preocupação com a continuidade de seus feitos.

Um episódio sombrio marcaria seus últimos anos. Cerca de uma década antes de sua morte, Oscar foi vítima de um atentado: atropelado por ordem de membros de sua própria família, escapou com vida, mas carregou sequelas permanentes na perna. Mesmo assim, manteve-se firme até o fim. Faleceu em 29 de setembro de 1967, em Itabuna, cidade onde construiu sua fortuna e deixou um legado que ainda ecoa.

Entre seus filhos, destacou-se José Marinho Falcão, médico de formação, com especialização na Alemanha. Herdando o espírito empreendedor do pai, o Dr. José foi um dos principais idealizadores do Hospital São Lucas, cuja planta funcional ele mesmo concebeu. Fundou uma indústria de fertilizantes em Itabuna, apostando na produção de adubos orgânicos a partir da película da amêndoa do cacau, rejeitada pela indústria convencional. Enfrentou dificuldades com o declínio da lavoura provocado pela praga da "Vassoura de Bruxa", o que levou ao encerramento da atividade.

Apesar dos reveses, José Marinho ainda tentou novas frentes, como a introdução da pupunha e a produção industrial de palmito, sem sucesso. Homem culto e de trato gentil, envelheceu de forma discreta, como que envolto na sombra de um tempo que passou, mas cuja marca permanece. O nome dos Marinho Falcão, sobretudo o de Oscar, continua a ressoar entre as lendas e memórias de uma era em que o cacau reinava absoluto no sul da Bahia.

Dantinhas, o cronista da memória Itabunense


José Dantas de Andrade, carinhosamente conhecido como "Dantinhas", nasceu em Simões Dias, no estado de Sergipe, em 30 de agosto de 1910. Bancário de profissão, historiador por vocação, desportista por paixão, além de poeta e trovador, tornou-se uma das figuras mais queridas e respeitadas da história de Itabuna. Seu talento natural para contar "causos" e histórias bem-humoradas marcou o imaginário coletivo da cidade.

Assinando muitas de suas obras com o pseudônimo "Zé das Antas", Dantinhas conquistou espaço na imprensa sul-baiana com suas crônicas recheadas de humor, contos pitorescos e sátiras rimadas que retratavam com ironia e inteligência fatos e personagens do cotidiano itabunense. Sua verve popular rendeu-lhe livros de piadas, crônicas regionais e textos que mergulham com graça no espírito da roça e da cidade.

A paixão pela história foi uma constante em sua trajetória. Dedicou-se durante décadas à coleta de documentos, fotos e relatos orais, formando um acervo precioso sobre Itabuna e sua gente. Seu primeiro livro, Espírito da Roça, lançado em 1937, foi seguido por outras obras de caráter humorístico e regional, como Arranca Toco e Estica Toco, culminando na coletânea Troças da Rua e da Roça, publicada em 1968. Seu vasto arquivo fotográfico foi generosamente legado à Maçonaria, como forma de preservar a memória local.

Sua contribuição como historiador ganhou destaque com o lançamento, em parceria com os fotógrafos Vieira e Newton Maxwell, do livro Itabuna Cinquentenária – Documentário Fotográfico Histórico de Itabuna (1910-1960), o primeiro registro sistematizado sobre a história do município. A obra tornou-se uma referência fundamental para estudiosos e apaixonados pela trajetória da cidade.

No campo esportivo, Dantinhas foi um incansável incentivador do futebol amador itabunense. Exerceu a presidência da LIDA – Liga Itabunense de Desportos Amadores, deixando sua marca no fortalecimento do esporte local. Profissionalmente, dedicou mais de quatro décadas como gerente do extinto Banco Rural, tornando-se uma figura de grande respeito no setor bancário regional.

Homem de família e de valores, Dantinhas foi pai de Maruse Dantas, presidente da AABB de Itabuna, e avô de Ricardo Xavier, vereador, e de Rodrigo Xavier, presidente do Itabuna Esporte Clube. 

Faleceu em 2004, aos 94 anos, deixando um legado de histórias, memória e amor incondicional por Itabuna.




Amélia Amado, a luz fraterna de Itabuna



Nascida em 15 de julho de 1903, em Ilhéus, no seio da tradicional família Berbert, Amélia Tavares Amado foi filha de Manoel Misael da Silva Tavares, o Coronel Misael, e de Eufrosina Berbert Tavares, a conhecida Dona Santinha. Criada numa atmosfera de valores religiosos e humanitários, desde cedo demonstrou inquietude espiritual e vocação para o bem coletivo. Devota fervorosa de Santo Antônio e de São Francisco de Assis, guiava-se por sonhos que mais pareciam visões, como aquele que a inspirou a criar uma instituição voltada para a assistência aos mais necessitados. Assim nasceu a Ação Fraternal de Itabuna (AFI), um dos maiores projetos educacionais e sociais da história da cidade.

Aos 17 anos, Amélia casou-se com Gileno Amado, advogado de seu pai e figura influente na política local. Ao lado do marido, mudou-se para Itabuna, onde o acompanhou por décadas em sua vida pública. Mãe dedicada de duas filhas — Maria Célia e Neda Silva — Amélia desempenhou com afinco os papéis de esposa e educadora do lar. Mas foi após o casamento das filhas e o afastamento político de Gileno que Amélia encontrou espaço e impulso para realizar plenamente sua vocação social. Herdando recursos após o falecimento do pai, decidiu empregá-los em benefício dos menos favorecidos, revelando-se uma empreendedora do bem-estar coletivo.

Em 13 de julho de 1947, no coração de Itabuna, na própria casa em frente à Praça Olinto Leoni, fundou o Colégio Ação Fraternal, voltado exclusivamente para a formação de moças pobres. Inicialmente, o projeto oferecia cursos profissionalizantes como datilografia e corte e costura, além do curso LEC — Ler, Escrever e Contar. A demanda cresceu rapidamente, e a residência da fundadora passou a ser inteiramente ocupada pela instituição. Dali, Amélia mudou-se para a Estância Santo Antônio, na BR-415, uma propriedade adquirida por seu esposo, e deu sequência à sua missão educativa com a mesma devoção de sempre.

Em 1952, um novo marco se ergueu: o terreno que hoje abriga o Colégio Ação Fraternal foi adquirido, consolidando o sonho de Amélia em uma sólida obra de tijolos e esperança. Seu trabalho social foi reconhecido em vida com importantes honrarias. Em 1956, o Papa Pio XII concedeu-lhe o título de Comendadora do Vaticano, cuja comenda foi entregue solenemente no ano seguinte, em seu aniversário, pelo bispo Dom Rezende Costa. Também recebeu o título de Cidadã Itabunense, numa justa homenagem da Câmara Municipal à mulher que transformou a paisagem social e educacional da cidade.

Não se limitando à educação básica, Amélia idealizou e fundou a Faculdade de Filosofia de Itabuna em 1960, abrindo novos horizontes para o pensamento crítico e a formação de professores. Em Jussari, implantou o ensino primário e o ginásio, além de liderar a instalação da Matriz de Nossa Senhora das Candeias. Sua sensibilidade artística também encontrou espaço no Teatro Estudantil Itabunense (TEI), criado por ela e que, nas décadas de 1960 e 1970, foi um polo de expressão juvenil e formação cultural. Amélia acreditava no poder transformador da arte e da educação — e deu provas concretas disso.

Junto de Gileno Amado, protagonizou experiências pioneiras em reforma agrária na região cacaueira. Aposentavam seus trabalhadores de forma digna, adquirindo pequenas roças para que pudessem viver de forma independente. Além disso, seus agregados recebiam assistência médica, cestas básicas, tecidos, seguros, bolsas de estudo e acesso à escola. Em um tempo em que não havia amparo legal aos trabalhadores, Amélia e Gileno já praticavam a justiça social como um dever moral.

Viúva, Amélia viveu seus últimos anos em serenidade e plenitude, falecendo em 27 de agosto de 1983, aos 80 anos, em Itabuna. Uma das principais avenidas da cidade leva o seu nome. Sua presença, no entanto, permanece indelével na memória coletiva da cidade. Sócia benemérita de diversas instituições, é lembrada como uma figura carismática, de firmeza católica e postura progressista. Sua obra vai além das estruturas que construiu — reside no espírito de solidariedade que deixou como herança.

Amélia Amado foi mais que esposa de um líder político: foi ela própria uma liderança no sentido mais nobre da palavra. Mulher de fé, inteligência e ação, revolucionou seu tempo com ternura e coragem. A história de Itabuna não pode ser contada sem mencionar sua contribuição definitiva. Em cada sala de aula, em cada projeto social, em cada jovem que teve a chance de sonhar mais alto, há um pouco da alma generosa de Amélia Amado — essa mulher que nos ensinou, com amor e trabalho, que o futuro se constrói com fraternidade.

Cel. Miguel Moreira



Miguel Fernandes Moreira nasceu em 1885, na cidade de Santo Amaro, Bahia, fruto da união de Pedro Fernandes Moreira e Maria Madalena da Cunha Moreira. Desde a infância, demonstrou curiosidade e inteligência, tendo aprendido as primeiras letras aos seis anos, sob a orientação do professor Augusto Freire de Carvalho. Em 1898, ainda jovem, iniciou sua trajetória profissional trabalhando em um engenho de cana-de-açúcar pertencente ao Visconde de Oliveira, experiência que moldaria sua visão prática e empreendedora. Mais tarde, uniu-se em matrimônio a D. Elvira dos Reis Moreira, carinhosamente chamada de Senhorazinha, filha do Coronel Henrique Alves dos Reis.

Foi no ano de 1908 que Miguel Moreira chegou ao então Arraial das Tabocas, onde fincou raízes e construiu uma trajetória que se entrelaça à própria história do município de Itabuna. Tornou-se um dos maiores proprietários de terra da região e dedicou-se com fervor ao progresso local. Foi protagonista na fundação de instituições que marcaram o desenvolvimento da cidade, como a Santa Casa de Misericórdia, a Associação Comercial, a Loja Maçônica, o Banco Rural, o Banco do Brasil, filarmônicas, irmandades religiosas e o tradicional Itabuna Clube.

Como homem público, Miguel Moreira exerceu papel de destaque. Atuou como um dos primeiros conselheiros municipais e, posteriormente, assumiu a prefeitura da cidade. Durante sua administração, promoveu importantes obras de infraestrutura: implantou a usina de luz elétrica, deu início à pavimentação de ruas nos bairros de Fátima, Mangabinha, Pontalzinho, Califórnia e Conceição, e construiu o matadouro municipal. Sua liderança firme e visionária culminou na recepção, em sua própria casa, do presidente da República, João Café Filho, e do General Juarez Távora, no último ano de seu mandato.

Miguel Moreira faleceu em 1966. Era conhecido por sua personalidade jovial, sua simplicidade e pela agradável convivência com todos. Sua figura permanece viva na memória de Itabuna como símbolo de pioneirismo e de amor à terra que ajudou a construir com mãos firmes e espírito generoso.

Ottoni Silva, um dos principais nomes da imprensa de Itabuna


Filho dos cacaueirais de Ilhéus, Ottoni Silva veio ao mundo em 20 de dezembro de 1915 e cedo trocou o banco escolar — que cursou apenas até o elementar incompleto — pela lida prática de eletricista-instalador e gráfico. Foi nesse ofício que aprendeu a decifrar fios, tipos e engrenagens, alicerçando uma carreira predestinada a unir a seiva da terra ao pulso ardente da imprensa.

Na década de 1930, o jovem operário bate às portas do semanário O Intransigente, comandado pelo coronel Henrique Alves. Começa como auxiliar de tipografia, mas logo faz do chumbo o seu alfabeto de combate: ascende a redator-chefe e, com audácia, converte o jornal em diário, transformando-o em caixa de ressonância dos ventos de mudança que varriam o sul da Bahia. Três décadas de direção consolidaram seu nome como uma das vozes mais tenazes da região.

A veia empreendedora não tardou a transbordar. Em 1956, Ottoni funda a Rádio Clube de Itabuna, adquirindo-a posteriormente para doá-la à Igreja Católica num gesto de nobre desprendimento. No ano seguinte, une-se a Zildo Guimarães e José Oduque para lançar o Diário de Itabuna, que por quase quarenta anos seria o farol informativo da cidade. O veterano, então com noventa e um anos e já aposentado, ainda irradiava inspiração às gerações que não presenciaram seus feitos.

Para além das redações, Ottoni marcou a vida pública com a mesma paixão. Fundou o Ginásio Noturno Firmino Alves, ergueu — com a força solidária da comunidade — o Itabuna Social Clube e exerceu o cargo de Secretário-Executivo da Santa Casa. Foi titular de cartório de registros, irmão ativo da Maçonaria, leonino dedicado no Lions Club e dono do serviço de alto-falante SRPC, adquirido de Mário Caldas, multiplicando canais de voz para a coletividade itabunense.

Tal dedicação lhe valeu o Título de Cidadão Itabunense, outorgado pela Câmara Municipal, selando sua condição de ilheense por nascimento, itabunense por adoção e mérito. Uma rua do bairro Pontalzinho ostenta seu nome, lembrando que nenhum grande movimento cívico ou cultural da cidade deixou de carregar sua assinatura ou o eco de sua influência discreta.

Ottoni Silva encerrou sua jornada em 22 de agosto de 2011, aos noventa e cinco anos, no Hospital Calixto Midlej. Deixou, porém, mais que memória: deixou-nos o perfume do cacau entrelaçado ao cheiro de tinta fresca, exemplo de que as páginas da história se escrevem com coragem, serviço e fé inquebrantável no poder transformador da palavra impressa.