Um tributo em rufos, lembranças e sorrisos ao grande mestre da bateria do sul da Bahia
Aldamiro Leôncio da Silva — ou simplesmente Sabará — é mais que um baterista; é uma aura sonora que ecoa pela história musical do interior da Bahia. Com mais de oitenta anos vividos e dezenas de décadas dedicadas à arte da percussão, sua trajetória se impõe como uma narrativa de persistência, de encantamento e de generosidade. Ele virou mito, mestre e ponte entre gerações.
Desde os primeiros compassos de sua vida, Sabará mostrou que sua missão era vibrar junto com os sons mais profundos. “Devo ter uns 75 anos de bateria, desde aprendiz”, confidencia com humildade e orgulho, tão seguro de seu longo caminho quanto sorridente ao narrá-lo.
Seu apelido, curiosamente nascido no futebol de praia, carrega esse gesto de paixão popular: corria nas areias igual a um jogador do Vasco, e assim adotou o nome — um batismo leve, bem-humorado, mas que o acompanha com dignidade ao longo da vida.
A carreira de Sabará não se construiu apenas nos palcos das boates ou nos salões iluminados, mas sobretudo nas salas de aula — quem o conheceu sabe: ele formou muitos dos grandes bateristas da região. Bruno, Cláudio Kron (residindo na Inglaterra), Tadeu Oliveira (na Itália), Tiago Nogueira (em Salvador) — todos passam pela escola e pelo afeto desse mentor incansável.
Sua militância musical é feita de deslocamentos geográficos e encontros memoráveis. Ele tocou no Rio de Janeiro, no Clube Realengo e no Hotel Quitandinha; depois veio ao sul da Bahia, onde integrou bandas, formou quintetos (como o “Lord Show”) e ajudou a criar um panorama cultural em cidades como Ilhéus e Itabuna.
O talento de Sabará ultrapassa a habilidade técnica: ele é também pensador da música. Em sua fala, destaca que o ato de tocar bateria ilumina a neurociência — “tocar bateria alivia estresse, fadiga, hipertensão” — e que o processo pedagógico pode servir a todos, inclusive à terceira idade.
Em sua didática, ele adota o que poderíamos chamar de “imediatismo musical”: no primeiro dia de curso, o aluno já se aproxima do instrumento; em poucos meses muitos já tocam músicas completas. Sua apostila, elaborada com carinho, é guia e estímulo: ele insiste que “música é ciência exata”, mas também paixão visceral.
Ele não teme desafios: sabe da dependência entre mãos — exercita a “independência dos órgãos” — ensina a mão esquerda a trabalhar como a direita, transforma canhotos em bateristas de ambidestria. Polirritmia, coordenação, técnica: tudo isso é parte de seu repertório de combate ao tédio e ao ócio.
Mesmo com tantos anos nos tambores, ele nunca deixou o brilho da juventude. Mantém bom humor e simpatia inabaláveis, celebrando a vida como um compasso sempre novo. Ele rejeita a “bateria eletrônica” com firmeza de tradicionalista, ainda que reconheça seu valor para a experimentação — mas sua alma está na bateria acústica, no couro, no estalo orgânico do tambor.
Sabará é mais que um músico: é guardião de uma cultura que sucumbe ao tempo. Ele lamenta que cidades como Itabuna tenham perdido o brilho de antigas festas e carnavais, e critica a falta de valorização dos talentos locais.