No coração do terceiro distrito de Ilhéus, em Cachoeira de Itabuna, nasceu Henrique Alves dos Reis, em 19 de maio de 1861. Filho de Chiquinha, uma mulher escravizada, e do padre Badaró, seu senhor, Henrique carregava em suas veias a herança de um passado marcado pela opressão, mas também a promessa de um futuro moldado por sua determinação. Órfão de cuidados paternos diretos, foi acolhido pelo Coronel João Berbert, amigo de seu pai, que lhe proporcionou um lar e os primeiros vislumbres de uma vida além das amarras da escravidão. Criado entre as paisagens rurais da Bahia, o menino Henrique cresceu com o espírito inquieto, pronto para traçar seu próprio caminho.
Aos 15 anos, com uma passagem fugaz pela escola, Henrique já demonstrava uma sagacidade incomum. Trocou os bancos escolares pelas prateleiras de um armazém que ele mesmo abriu, fornecendo gêneros alimentícios, utensílios domésticos e ferramentas aos trabalhadores rurais da região. Esse primeiro empreendimento foi o embrião de uma trajetória de ascensão meteórica, onde a visão comercial e o tino para os negócios começaram a desenhar sua reputação. O armazém não era apenas um ponto de comércio, mas um espaço de conexão com a comunidade, onde Henrique aprendia as necessidades e os anseios daqueles que cruzavam seu caminho.
Em 1895, a morte de sua mãe, Chiquinha, trouxe uma reviravolta significativa. Herdeiro da Fazenda Sempre Viva, doada pelo padre Badaró à sua ex-escrava, Henrique viu naquela terra uma oportunidade de construir um império. Com mãos firmes e uma visão ambiciosa, ele transformou a propriedade em um polo de produção de cacau, expandindo suas posses com a aquisição de outras fazendas, como Alegria, Transval, Rio do Braço, Limoeiro, Palha, Ferradas, Pedrinhas, Catolé e Mutuns. Sob sua administração, essas terras alcançaram a impressionante marca de 30 mil arrobas de cacau por ano, sustentadas pelo trabalho de 250 empregados, consolidando-o como um dos grandes barões do cacau no sul da Bahia.
A vida pessoal de Henrique também foi marcada por laços profundos. Casou-se duas vezes: primeiro com Rita de Cássia Loup, com quem teve uma filha, Elvira Rita dos Reis, e, após enviuvar, com Cordolina Loup dos Reis. Sua família, embora pequena, era o alicerce de sua existência, equilibrando a rigidez dos negócios com a ternura do lar. Mas Henrique não se limitava ao campo ou ao comércio; sua ambição o levou à esfera pública, onde sua influência cresceu ainda mais. Nomeado pelo intendente de Ilhéus, Coronel Domingos Adami, para chefiar o partido governista no arraial de Tabocas, ele mergulhou na política local, tornando-se uma figura central na comunidade.
Uma das demandas mais urgentes dos moradores de Tabocas era a transformação de uma lagoa infestada de cobras e jacarés em um espaço público digno. Henrique abraçou a causa com determinação, comprometendo-se a construir a maior praça pública do interior baiano. Batizada em homenagem ao Coronel Adami, a Praça Adami tornou-se um símbolo de sua capacidade de transformar sonhos em realidade.
Como sétimo intendente de Itabuna, entre 1926 e 1928, Henrique deixou um legado administrativo notável. Sua gestão foi marcada por obras que modernizaram a cidade: calçou ruas, instalou canos de esgoto, construiu a ponte do Ribeirão, hoje conhecida como Cajueiro, e ergueu a cadeia pública, custeando boa parte das despesas com recursos próprios. Sua eficiência e visão urbanística trouxeram progresso a Itabuna, consolidando-a como um polo regional.
O prestígio de Henrique junto ao governador da Bahia, Francisco Marques de Góes Calmon (1924-1925), foi decisivo para conquistas ainda maiores. Graças a essa relação, ele conseguiu viabilizar a construção da ponte Góes Calmon e outros melhoramentos para a região. Sua influência política e econômica fez dele uma figura quase mítica, capaz de articular interesses públicos e privados em prol do desenvolvimento.
Henrique Alves dos Reis faleceu em 8 de janeiro de 1940, deixando um legado que transcende gerações. De filho de escravos a um dos maiores produtores de cacau e líder político de sua região, sua vida é um testemunho de resiliência e visão. Suas fazendas, suas obras públicas e sua dedicação à comunidade de Itabuna permanecem como marcos de uma era de transformação no sul da Bahia. Henrique não apenas cultivou cacau, mas plantou sementes de progresso, cujos frutos ainda ecoam na memória coletiva da região.