quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

D. Cordolina Loup dos Reis


Em uma era onde as vozes femininas raramente ecoavam nos corredores do poder e da filantropia, D. Cordolina Loup dos Reis ergueu-se como uma figura luminosa na história de Itabuna. Nascida em 1870, nas terras férteis de Ilhéus, ela trouxe consigo um espírito indomável e uma determinação que transcendia os limites de seu tempo. Casada com o Coronel Henrique Alves dos Reis, não se contentou em permanecer à sombra de seu esposo; ao contrário, envolveu-se com fervor nas lides políticas e sociais, tecendo uma rede de ações que marcariam para sempre a comunidade local.

Sua vida foi um hino à solidariedade e à cultura. D. Cordolina esteve entre as fundadoras da Associação das Senhoras de Caridade, um bastião de apoio aos mais vulneráveis, e estendeu suas mãos generosas para colaborar na criação da Filarmônica Lira Popular e do Montepio dos Artistas de Itabuna, preservando a arte como um refúgio para as almas. Pioneira na Assistência Social de Itabuna, ajudou a erguer a Filarmônica Amantes da Lira, o Colégio Divina Providência e a Ação Fraternal de Itabuna, deixando um legado de educação e fraternidade que floresceu nas gerações seguintes. Sua ausência de descendência biológica foi compensada pela progenitura de ideais que ainda hoje inspiram.

Quando a morte a reclamou em 1952, D. Cordolina partiu sem deixar herdeiros diretos, mas com um presente eterno para a humanidade. Com um gesto de altruísmo que ecoa através dos anos, doou a uma congregação de freiras o terreno onde hoje se ergue o orfanato que carrega seu nome, situado na Rodovia Itabuna/Ilhéus, defronte à CEPLAC. Ali, entre os muros de uma instituição que acolhe os desamparados, reside a memória viva de uma mulher que, com sua dedicação e visão, transformou o tecido social de sua terra, tornando-se um símbolo de generosidade e pioneirismo.


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Coronel Henrique Alves: de filho de escravos a patriarca do cacau


No coração do terceiro distrito de Ilhéus, em Cachoeira de Itabuna, nasceu Henrique Alves dos Reis, em 19 de maio de 1861. Filho de Chiquinha, uma mulher escravizada, e do padre Badaró, seu senhor, Henrique carregava em suas veias a herança de um passado marcado pela opressão, mas também a promessa de um futuro moldado por sua determinação. Órfão de cuidados paternos diretos, foi acolhido pelo Coronel João Berbert, amigo de seu pai, que lhe proporcionou um lar e os primeiros vislumbres de uma vida além das amarras da escravidão. Criado entre as paisagens rurais da Bahia, o menino Henrique cresceu com o espírito inquieto, pronto para traçar seu próprio caminho.

Aos 15 anos, com uma passagem fugaz pela escola, Henrique já demonstrava uma sagacidade incomum. Trocou os bancos escolares pelas prateleiras de um armazém que ele mesmo abriu, fornecendo gêneros alimentícios, utensílios domésticos e ferramentas aos trabalhadores rurais da região. Esse primeiro empreendimento foi o embrião de uma trajetória de ascensão meteórica, onde a visão comercial e o tino para os negócios começaram a desenhar sua reputação. O armazém não era apenas um ponto de comércio, mas um espaço de conexão com a comunidade, onde Henrique aprendia as necessidades e os anseios daqueles que cruzavam seu caminho.

Em 1895, a morte de sua mãe, Chiquinha, trouxe uma reviravolta significativa. Herdeiro da Fazenda Sempre Viva, doada pelo padre Badaró à sua ex-escrava, Henrique viu naquela terra uma oportunidade de construir um império. Com mãos firmes e uma visão ambiciosa, ele transformou a propriedade em um polo de produção de cacau, expandindo suas posses com a aquisição de outras fazendas, como Alegria, Transval, Rio do Braço, Limoeiro, Palha, Ferradas, Pedrinhas, Catolé e Mutuns. Sob sua administração, essas terras alcançaram a impressionante marca de 30 mil arrobas de cacau por ano, sustentadas pelo trabalho de 250 empregados, consolidando-o como um dos grandes barões do cacau no sul da Bahia.

A vida pessoal de Henrique também foi marcada por laços profundos. Casou-se duas vezes: primeiro com Rita de Cássia Loup, com quem teve uma filha, Elvira Rita dos Reis, e, após enviuvar, com Cordolina Loup dos Reis. Sua família, embora pequena, era o alicerce de sua existência, equilibrando a rigidez dos negócios com a ternura do lar. Mas Henrique não se limitava ao campo ou ao comércio; sua ambição o levou à esfera pública, onde sua influência cresceu ainda mais. Nomeado pelo intendente de Ilhéus, Coronel Domingos Adami, para chefiar o partido governista no arraial de Tabocas, ele mergulhou na política local, tornando-se uma figura central na comunidade.

Uma das demandas mais urgentes dos moradores de Tabocas era a transformação de uma lagoa infestada de cobras e jacarés em um espaço público digno. Henrique abraçou a causa com determinação, comprometendo-se a construir a maior praça pública do interior baiano. Batizada em homenagem ao Coronel Adami, a Praça Adami tornou-se um símbolo de sua capacidade de transformar sonhos em realidade. 

Como sétimo intendente de Itabuna, entre 1926 e 1928, Henrique deixou um legado administrativo notável. Sua gestão foi marcada por obras que modernizaram a cidade: calçou ruas, instalou canos de esgoto, construiu a ponte do Ribeirão, hoje conhecida como Cajueiro, e ergueu a cadeia pública, custeando boa parte das despesas com recursos próprios. Sua eficiência e visão urbanística trouxeram progresso a Itabuna, consolidando-a como um polo regional. 

O prestígio de Henrique junto ao governador da Bahia, Francisco Marques de Góes Calmon (1924-1925), foi decisivo para conquistas ainda maiores. Graças a essa relação, ele conseguiu viabilizar a construção da ponte Góes Calmon e outros melhoramentos para a região. Sua influência política e econômica fez dele uma figura quase mítica, capaz de articular interesses públicos e privados em prol do desenvolvimento. 

Henrique Alves dos Reis faleceu em 8 de janeiro de 1940, deixando um legado que transcende gerações. De filho de escravos a um dos maiores produtores de cacau e líder político de sua região, sua vida é um testemunho de resiliência e visão. Suas fazendas, suas obras públicas e sua dedicação à comunidade de Itabuna permanecem como marcos de uma era de transformação no sul da Bahia. Henrique não apenas cultivou cacau, mas plantou sementes de progresso, cujos frutos ainda ecoam na memória coletiva da região.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Manoel Leão


Pedro Emannuel Garcia Moreno de Souza Leão, conhecido simplesmente como Manoel Leão, veio ao mundo em 25 de agosto de 1938, em Itabaiana, Sergipe, como o terceiro filho do pioneiro Joaquim Soares de Souza Leão, apelidado Juca Leão, e de Eurianta Garcia Moreno de Souza Leão. Herdeiro de uma linhagem de desbravadores, Manoel carregava no sangue a coragem de quem enxerga além do horizonte. Sua história, porém, não se limitou às raízes sergipanas; ela se entrelaçou com a terra bruta de Burundanga, no arraial de Tabocas, onde ele se instalou no início do século XX, contribuindo para o florescimento de Itabuna, na Bahia. Ali, em meio ao aroma do cacau e ao calor do sertão, ele começou a escrever seu legado.

Manoel não era homem de se contentar com pouco. Ao abrir suas terras para familiares e migrantes de Sergipe e regiões vizinhas, ele transformou Burundanga em um ponto de convergência, onde sonhos alheios encontravam solo fértil. O pequeno arruado que ali nasceu, batizado mais tarde como bairro Juca Leão em homenagem a seu pai, foi o resultado de sua generosidade e visão. Ele não apenas acolheu pessoas, mas plantou a semente de uma comunidade, unindo estranhos em um propósito comum: construir uma vida nova em uma terra ainda selvagem, onde o futuro dependia da união e do trabalho coletivo.

Sua liderança se revelou também no impulso ao progresso econômico do arruado. Manoel viabilizou empreendimentos que se tornaram alicerces da comunidade nascente, como o Matadouro Bela Vista, os armazéns para estocagem de cacau do Instituto do Cacau da Bahia (ICB) e o Empório Comercial "Moisés Construção". Essas iniciativas não só atenderam às necessidades imediatas dos moradores, mas também fortaleceram a economia local, conectando o bairro à pujante indústria cacaueira que definia a identidade de Itabuna. Com pragmatismo e ousadia, Manoel transformou sua visão em estruturas concretas, que sustentaram o crescimento da região.

Mais do que um empreendedor, Manoel foi um defensor incansável do bem-estar de sua comunidade. Ele lutou pela instalação de uma escola e de um posto médico no bairro Juca Leão, entendendo que o verdadeiro progresso vai além da prosperidade material. A escola abriu portas para o conhecimento, enquanto o posto médico trouxe alívio e segurança às famílias que, antes, enfrentavam longas distâncias em busca de cuidados. Essas conquistas, fruto de sua persistência, consolidaram o bairro como um lugar onde a vida podia pulsar com dignidade, deixando um impacto que ecoaria por gerações.

Até seu falecimento, em 15 de julho de 2003, Manoel Leão viveu como um farol para sua gente. Sua trajetória é a de um homem que, com gestos simples e uma determinação inabalável, transformou um pedaço de terra esquecido em um espaço de esperança e convivência. O bairro Juca Leão permanece como testemunho de seu legado, um monumento vivo à sua capacidade de unir pessoas e construir futuros. Manoel partiu, mas suas raízes continuam a sustentar a comunidade que ele ajudou a erguer, um lembrete de que a verdadeira grandeza nasce do compromisso com os outros.