terça-feira, 14 de abril de 2020

Valdelice Pinheiro, poeta e artista plástica


Antes de ser professora eu sou poeta, eu sou artista, este ser que não precisa se comprometer com nada porque ele próprio, por si, já é o olho mágico que descobre o presente, que recria o objeto e o fato para o ângulo maior da história".

Valdelice Pinheiro Valdelice Soares Pinheiro nasceu em Itabuna, a 24 de janeiro de 1929. Filha de prestigiada família de desbravadores, estudou o primário em Ilhéus, em colégios como Nossa Senhora da Piedade e Colégio Municipal de Ilhéus. Licenciou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Foi diretora da Faculdade de Filosofia de Itabuna (antiga FAFI) e lecionou Estética e Ontologia na UESC - Universidade Estadual Santa Cruz. Como poetisa, publicou dois livros: "De Dentro de Mim" e "Pacto". Mas possui uma significativa obra inédita, poética e filosófica, prevista para futura publicação póstuma pela UESC.

Sua poesia de traço intimista, filosófico e humanista mostra uma sensível preocupação com a natureza humana e as causas universalistas, tocada, principalmente, para a transformação dos valores, para a fraternidade e para uma visão reflexiva do mundo contemporâneo. Sensibilismo agudo expressado em conformidade com um lirismo leve e harmonioso, a poesia de Valdelice Pinheiro é dotada de questionamentos e indagações que fazem do seu processo criador um conjunto equilibrado entre poesia e ação, verso e matéria cotidiana, atestando, assim, o cunho filosófico que se molda na visão crítica do mundo e num sensível espírito que toma a poesia como causa maior que gesta o verso em cada respiração.

Faleceu em Itabuna, no dia 29 de agosto de 1993, deixando em todos que admiravam a sua obra o vazio da saudade de uma poetisa que fez dos seus versos a síntese do universo em que seus olhos de filósofa viam.


POEMAS

Minha canção de infância
Canto
o canto dos meninos
da roda do pirulito,
nas procissões do palhaço
que bate-bate
nesse tambor mambembe
sem limite,
na rua da Bananeira.

Canto
essas estradas de férias que me levavam pra casa, encantadas estradas cujo barro tinha luz, onde as árvores sorriam e as pedras não doíam.
Canto
a voz colorida
das lavadeiras
de meu rio,
nas procissões de São José
-Ave, ave, ave, Maria...

Firmino
Sob um céu
de bonina
havia um rio
impossível.
Era um rio
de margens brancas
com menininhas azuis
cantando cirandas
impossíveis.
Do canto
impossível
das menininhas azuis
nasceu um poeta
impossível.
O poeta
impossível
inventou um bar,
uma paz,
uma cor,
um rio,
inventou um amor
e morreu
impossível.

Rememória
Éramos o sumo quente e verde
do infinito.
entre a semente e o fruto,
a flor e a terra.
Germinamos o tempo
em pólen de saudade
e busca,
num beijo de eternidade,
amor e pranto.
Chegamos outra vez.
E as nossas vidas então
são flor sem vento,
rememória do amor
na dor do desencontro.

Espantalho
Espantalho eu sei
que sou.
Mas os meus braços,
abertos em cruz
e mesmo que de palha e
vento
se sustentem,
não querem o espanto,
a distância do pássaro.
Meus braços buscam,
na última agonia
de um amor sem jeito,
imaginar-se planta,
conceber-se galho,
desejar-se fruto.







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