sábado, 18 de abril de 2020

Norma de Assis, a Sapoti de Itabuna


Não só as estrelas da música nacional enchiam os programas de auditório do Titio Brandão. Cantoras regionais como Lourdes Rodrigues, Rita Cezimbra, Berenice Santos, Margô Silva, Neide Prado e Norma de Assis também eram muito requisitadas. Norma, que antes do grande sucesso era conhecida como Cléo, Cleuzinha e Cleusina de Assis (este último, aliás, é o seu nome verdadeiro) e que ao longo de todo o trajeto profissional receberia tantos títulos: O Rouxinol de Ilhéus, A Voz de Ouro... No palco do Catalunha, aclamada calorosamente pelos incontáveis fãs, foi considerada A Sapoti de Itabuna, isso porque incluía no seu repertório músicas de Ângela Maria, A Sapoti do Brasil.

O início de sua carreira, entretanto, aconteceu em frente à catedral de São Sebastião, em Ilhéus, no programa Minha gente pequenina, apresentado por Antônio Brandão, seu cunhado. Este, por sua vez, já tendo ouvido a bela voz da irmã mais nova de sua esposa, propôs-lhe tomar parte no concurso de calouros, que era um dos quadros do programa infantil. Certa de não fazer má figura em sua cidade natal, Norma aceitou o desafio. E, de fato, não decepcionou ninguém. Durante seis semanas consecutivas recebeu o título de melhor cantora do concurso e, como prêmio, obteve um contrato com a Rádio Cultura de Ilhéus para trabalhar na emissora. Uma gratificação e tanto, pois divulgar o seu talento na Rádio Cultura significava abrir as portas para um futuro promissor. Porém, antes de fazer parte do grupo dos cantores do rádio, Norma viu-se obrigada a passar pelo departamento comercial, onde lhe foi dada a incumbência de contar quantas vezes cada propaganda ia ao ar. Uma atividade monótona, sem dúvida, mas que, por outro lado, permitiu-lhe integrar-se à equipe dos profissionais, de modo que, em curto espaço de tempo, obteve a licença para soltar a voz nos microfones da Cultura. Depois de um ano de rádio, encaminhada pelo publicista Alceu Fonseca, um dos proprietários da Rádio Cultura, conseguiu estabelecer contatos com diversas rádios do Rio de Janeiro e São Paulo e participar de vários programas de auditório, representando a rádio ilheense, bem como todo o interior baiano. De Emilinha Borba, Cauby Peixoto, Helen de Lima e Ademildes Fonseca ganhou um novo pseudônimo: A Baianinha.

Embora a sua ascensão profissional estivesse indo "de vento em popa" nas grandes capitais brasileiras, o coração falou mais forte e Norma, depois de ter passado alguns meses fora, retorna para a região cacaueira, ou melhor, para os braços do seu noivo, Lindepruce Lins. E como Brandão já estava contratado pela Rádio Clube de Itabuna, nada impedia o ingresso de sua cunhada na nova emissora.

A carreira radialista de Norma de Assis, porém, não ficou restrita à música. Na Rádio Clube, em 1960, trabalhou ao lado de Antônio Pimentel (na época, diretor da rádio), numa novela escrita por ele: As portas do pecado, onde fazia três personagens: o papel da esposa, da amante e do jornaleiro. Essa novela ficou no ar durante seis meses e era apresentada todos os dias das 8 às 9 da manhã. A atuação dos personagens, bem como os textos publicitários, lidos nos intervalos, eram desempenhados ao vivo. Mas apesar do enorme índice de audiência. As portas do pecado ficou sendo a única radionovela escrita e produzida por Antônio Pimentel. Além da novela e da atuação como cantora, Norma ainda participava dos programas cômicos, junto com o Martelo (Romilton Santos) e Alfa Santos, era locutora comercial, auxiliar do discotecário, trabalhava no departamento social da rádio e ainda coordenava o seu próprio programa Conselho, música e beleza, sendo, por isso, considerada a "mulher dos sete instrumentos", já que fazia tudo o que fosse preciso. Contudo, o seu maior instrumento era a sua belíssima voz: um contralto de sonoridade um tanto rouca, encorpa da, profunda e de tessitura grave, mas, ao mesmo tempo, ampla e cheia. A voz inconfundível de Norma, apropriada para um repertório romântico, invadia os ambientes.

Mesmo tendo marcado uma fase importante, figurando entre os principais cantores do rádio, Norma sente hoje a amargura de ter ficado no esquecimento. Queixosa da memória curta dos itabunenses, vê-se completameme afastada dos meios de comunicação. E até do grande projeto musical, realizado anualmente pela mídia televisiva, na praça Olinto Leone, reunindo os grandes talentos da música regional, nunca recebeu um convite. Nos últimos anos, a sua relação com o público mudou. Com um certo acanhamento, passou a cantar menos e para uma platéia cada vez mais restrita, geralmente formada por amigos. Portanto, deixar-se embalar pela Sapoti de Itabuna tornou-se um privilégio de poucos, pois registros de sua voz não existem nem em forma de LP nem nos arquivos históricos das rádios por onde passou. Ainda assim, a sua velha parceria com a música continua. Cantarolando em casa os grandes sucessos da Ângela Maria, os seus olhos voltam a embaçar-se de lágrimas.
[Fonte: Itabuna Histórias e Estórias, de Adriana Dantas]

Nenhum comentário: